A vida traduz-se em letras
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
Odeio O Camões
Ora, eu tenho quinze anos. Ainda não encontro o romance nas livrarias, não compreendo bem porquê, chego-me lá e pergunto se tem algum escrito de João de Matos e a resposta é sempre negativa (discriminação, certamente, pela minha idade), cuidando que nas livrarias não me acho.
Eu soube que era um génio quando, no sétimo ano, ganhei um concurso de escrita em inglês. Acho que nem concorri pelo prémio (o que é certo é que a Escola Secundária Eça de Queirós ganhou um laboratório de línguas, segundo sei), foi mesmo pelo reconhecimento. Quando me entregaram a carta a dizer que tinha ganho, julguei-me uma estrela como aquelas que se colam na tela do cinema, como aquelas que se penteiam durante duas horas e maquilhagem no género feminino.
Comecei a sair á rua apenas na segurança de dois amigos (todas as estrelas têm guarda-costas), depois de passar duas horas em frente ao espelho a arranjar o cabelo, e, antes de passar por cada esquina, tomava especial atenção aos paparazzi. Eles nunca estavam lá, digo, eu nunca os vi (aqueles malandros sabem esconder-se bem), mas sei que sou um génio.
António Lobo Antunes deve ter imensos fãs a pedirem-lhe autógrafos (eu sou um deles). Eu, bem, não é que não tenha fãs, tenho fãs, tenho fãs que lêem as minhas crónicas e que me dizem Ai meu Deus que tristeza descomunal, tenho fãs que lêem a minha poesia e me dizem Ai meu Deus que grotesco, tenho fãs que lêem os meus contos e me dizem Ai meu Deus isso não é um conto é uma crónica, mas tenho fãs. Para dizer a verdade, desconfio que hei-de voltar a contratar o Tomás e o Pedro como guarda-costas. É que no Camões tenho imensos fãs.
Ainda no outro dia, quando estava na companhia da Bia e do Jordann, uma rapariga do décimo segundo ano chegou-se ao pé de mim
-Tu não és aquele que
e eu sim, sou aquele que escreve tanto e que merece reconhecimento literário, a retirar já a caneta do bolso para preparar o autógrafo
-...falou muito mal da Lista C em tempo de campanha?
Política. Outra vez. E no entanto, nunca a Literatura.
A culpa deve ser dos funcionários (só pode), porque neste momento odeio o Camões.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Respondendo a Marta
sábado, 19 de dezembro de 2009
A Essência da Maçã Verde
Lembro-me da forma como tu entravas e na forma de como todos os outros falavam nos pavorosos minutos do sismo de ontem à noite. Se tu me falavas de sismos? Não, está bem, não me falavas de sismos, mas tenho a certeza de que querias falar e tenho também a certeza de que eras demasiado tímida para o fazer. Tenho a certeza de que te lembras de mim. Aposto que não havia assim tanta gente a entrar no autocarro de Dostoievsky na mão, aposto que não havia ninguém de fato de seda, aposto que reparavas nos meus arranjos já que eu só me arranjava para tu reparares.
Lembro-me de passares por mim e de tentar cheirar o teu perfume que cheirava a maçã. Verde. Maçã verde. E é por me ter vestido de fato, por ter andado de Dostoievsky na mão, por ter tentado cheirar o teu perfume mil vezes que eu sei que tu te lembras de mim.
Eu também tentava não me esquecer de ti (excepto quando trazias um livro de Paulo Coelho, ou de Nicholas Sparks) dos teus cabelos, dos teus olhos, do teu perfume (que cheirava tanto, tanto, tanto a maçã verde) e, subitamente, o condutor do autocarro vira o volante numa curva apertada e tu cais sobre mim, o teu corpo a tocar no meu, e eu sei que fizeste de propósito. Com tanta tecnologia que há hoje em dia, toda a gente contraria as leis da física, mas as leis de um perfume que cheirava assim tanto a maçã verde, essas oh!, essas não se contrariam.
Não percebi porque é que deixaste de andar na primeira carruagem do metro das oito e trinta e sete, mas julgo que em breve voltarei a sentir o cheiro da maçã verde.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Manifesto Anti-Sparks
Estou cansado de escrever crónicas. Digo isto, não porque já tenha escrevido muitas, mas porque estou mesmo cansado de crónicas. Mas só há uma coisa que excede o meu cansaço pelas crónicas: Nicholas Sparks.
Almada, peço-te desculpa por te tentar encarnar desta forma tão própria (e possivelmente redutora) da minha pessoa, mas acho que é mesmo necessário. Isto porque hoje, na minha aula de Português, três pessoas, não, espera, ouve bem, TRÊS!!! pessoas decidiram apresentar a "obra" que deviam ter lido ao longo do período e todas falaram sobre Nicholas Sparks! Mas que raio?!
Morte a Sparks ZÁS-TRÁS-PÁS!!
Morte aos que o seguem ZÁS-TRÁS-PÁS!!
Almada, estou a exagerar. Tenho a certeza disso. Também tenho a certeza de que, depois da tortura que foi esta aula de Português, se alguém me diz a palavra "beijo" eu suicido-me. E sei também admitir os meus erros: ao longo da minha vida, sempre afirmei que Nicholas Sparks (estou farto de lhe dar um respeito que ele não merece, chamar-lhe-ei de agora avante de "homenzinho") era o pior escritor do mundo. Agora percebo que o homenzinho conseguiu transmitir-me um sentimento: não, não fiquei perdidamente apaixonado, mas acredito que sou capaz de ter ficado perdidamente enojado.
Morte a Sparks ZÁS-TRÁS-PÁS!!
Morte a quem transforma o Amor numa sensação tão boa como mastigar meias utilizadas durante o mês de Junho inteiro!
Suicida-te Sparks!!
Morre e deixa esta geração em paz!
Quem gosta de Sparks não é um quem, mas um quê!
Quem gosta de Sparks gosta de comer meias sujas!
Quem gosta de Sparks que morra também!
Sparks serve para nos mostrar que o raio de um livro pode ter um final somente lucrativo!
Sparks tem os maiores bolsos do mundo!
E há quem goste! E há quem aplauda! E há quem siga! E há quem compra! E há quem peça autógrafos! E há quem seja louco!
Morte ao Sparks ZÁS-TRÁS-PÁS!!
Sparks é o declínio de uma sociedade!
Sparks só conhece a teoria de um beijo!
Ler Sparks é comer massa crua!
Se Sparks é Americano, então tenho orgulho em ser Português!
Morte ao Sparks ZÁS-TRÁS-PÁS!!
Sparks escreve a Literatura dos cães!
Se Sparks fosse queimado vivo, o mundo renderia muito mais!
Sparks produz saliva por uma população inteira!
Sparks não é contemporâneo! Sparks é estupidez intemporal!
Sparks escreveu quinze livros e mudou apenas o nome das personagens!
Morte ao Sparks ZÁS-TRÁS-PÁS!!
Sparks é o apocalipse já há muito profetizado!
Sparks vem trazer terror ao mundo com os seus beijos intermináveis!
Sparks não escreve sobre amor; ninguém que ame verdadeiramente pode dizer o que ele diz!
Se Sparks conhece o amor, eu prefiro não o conhecer!
Se Sparks é inteligente, prefiro ser ignorante!
Morte ao Sparks ZÁS-TRÁS-PÁS!!
Morte aos cordeiros que criticam seguindo o Sparks pastor!
Morte a todos os que só querem ler Sparks!
Sparks não escreve; vomita!
Quem só lê Sparks não lê; engole vomitado!
Sparks é nojento!
Sparks dispõe de um "toque de Sparks" que lhe permite transformar tudo o que toca em algo nojento!
Morte ao Sparks ZÁS-TRÁS-PÁS!!
Enterrem o Sparks como favor à Humanidade!
Sparks dá um melhor contributo à Humanidade morto do que vivo!
Sparks envergonha a América por ter nascido lá!
Sparks é mentiroso!
Sparks é asqueroso!
Quando leio Sparks tenho vontade de ser analfabeto!
Morte ao Sparks ZÁS-TRÁS-PÁS!!
Deviam torturar Sparks obrigando-o a ler tudo o que escreveu!
Sou contra a pena de morte, mas mudo de decisão se estivermos falar do Sparks!
O homenzinho é assassino e matou a Literatura!
Morte à ignorância das Margaridas, e das Marias, e das Anas, e das Amélias, e dos que lhe mentem dizendo que é bom!
O maior castigo que Sparks tem é o actual: todos os fãs lhe mentem dizendo que ele escreve bem!
Morte ao Sparks ZÁS-TRÁS-PÁS!!
Sparks é o cúmulo do comercial!
Sparks é tão repetitivo, que o seu próximo êxito será um livro com uma frase repetida mil vezes!
E há quem o ame! E há quem realize o que ele escreve! E há quem o adore! E há quem guarde fotografias dele!
Se não matarem Sparks morro eu de desgosto!
Vende Sparks Vende Vende Vende Vende Vende Vende Vende Vende Vende Vende Vende Vende abaixo a Literatura e Vende Sparks Vende Vende Vende Vende Vende Vende Vende e Morre!
Sparks demonstra que nem tudo o que é made in America é de qualidade! Sparks é a encarnação da estupidez! Sparks não pode ser verdadeiro!
Morte a Sparks (e termino Almada) ZÁS-TRÁS-PÁS!
O Que Acontece Depois Do Final
O actor despede-se com uma vénia do público que aplaude entusiasticamente. E uma vénia, e duas, e três, e um sorriso, e muitos sorrisos, e abandona o palco. Vai de encontro ao resto do elenco. Fala do seu desempenho medíocre para que alguém lhe diga que foi excelente. E desenha um sorriso na seu própria cara.
Depois, tudo terminado (peça, celebrações, olhares e comentários indiscretos sobre os beijos que os membros do elenco trocavam ilicitamente), dirige-se a um espelho. E já não é ninguém.
Tudo terminou quando o actor se despediu do público, percebem? Não sei se me faço entender, mas um actor só será actor enquanto pisar um palco. E deixou de o pisar no momento em que se inclinou para fazer aquela vénia.
Ó actor, eu julgava-te tão humano...e dei por ti a seres um idiota. Tu bem sabes que acredito que os humanos possam ser idiotas, mas tu actor, tu passaste os limites.
Não tentes ser humano fora do palco, que só o serás se falares por palavras de outrém. Tenho pena de ti, actor, por te cingires a um guião, a um destino.
Olha, talvez seja a diferença entre a minha pessoa e a tua, actor que te revelas ao espelho, que eu crio personagens, e tu encárna-las. Serás melhor ou pior que eu? Nem um nem outro, mas não te considero humano.
Ó actor, que fizeste tu para mereceres tanto rancor da minha parte? Foi pelas tuas atitudes? Foi por teres pensado no que pensaste?
Olha, vou ser muito sincero: apesar de não te considerar humano, não estou zangado contigo. Até compreendo a tua tristeza: só no palco és humano. E deve ser horrível estar condicionado a uma peça de teatro para atingir a humanidade.
Actor, só te vou pedir uma coisa: aproveita o que não tens. Aproveita o não seres humano, que isto é (posso te garantir) um grande fardo. Sim, o maior peso é mesmo ser-se humano. Por isso é que tantos não o são.
Mas não desistas nunca de viver, actor, deixa isso para poetas e cronistas e suspiros seguidos de lágrimas, já percebi que isto de sofrer não é bem para ti. Não chores, actor, não chores, não humano o suficiente para chorares. Não penses nisso, actor, larga esse pedacinho de vidro, já te disse mil vezes que, apesar da tua vida humana terminar naquela vénia, não te podes matar, visto o facto de não poderes nunca imitar um escritor.
Actor, tenho-te a dizer para nunca acreditares no que escrevo. Tenho uma tendência enorme para mentir. Consequências da escrita, talvez.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Acontece Que Não Pode Ser
- E não pode ser porquê?
- Porque acontece que não pode ser.
- E não pode ser porquê?
- Ouça lá; eu vim para aqui beber um café descansado, e não estou para ser chateado. Por isso, ou o senhor me traz o raio de um café decente, ou vou ter de pedir o livro de reclamações!
- E o senhor quer-me explicar qual é o mal desse café?
- Não tenho nada a explicar.
- Eu preciso de uma explicação, no mínimo.
- Pois, mas acontece que não pode ser.
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
Explicação De Um Não À Nádia
Nádia,
vemo-nos lá, nas reuniões, no metro, onde quer que seja, na escola, nas aulas, onde quer que seja, vemo-nos lá e um sorriso, sorrio, sorris-me, sorrio por dentro e pergunto-me se tu também sorriste por dentro, se também ficaste um pouco mais quentinha que hoje faz frio visto o facto de estarmos no Inverno, Nádia, eu olho e tu não me olhas, o que se passa, estás zangada?, não, não, eis o teu olhar, que alívio!, estava a ver que estavas zangada comigo, e tu coras e eu sorrio ainda mais, e tu baixas o olhar a sorrir também, e eu a não caber em mim de felicidade, de calor, de estar no Inverno e não estar, e uma professora a perguntar pelos meus Hausaufgaben, e eu Nein, Ich habe vergessen, e por um momento não sorri não fiquei quente nem fiquei no Inverno não ficando, só por um momento juro, e por culpa da professora, por culpa dela não te escrevo nada há uma semana por culpa dela não te recito um poema lírico qualquer há uma semana por culpa da professora não te vejo há uma semana e estou (digamos que) triste, estou certo que tu também porque há uma semana que não sou humano, visto o facto de não te recitar nem escrever nada há uma semana, Nádia, não fiques triste não chores que eu não quero que tu chores é que sabes, olhar-te assim e ver-te sorrir é bom é tão bom, mas depois este ter de te escrever coisas bonitas e felizes quando na verdade não é em ti que penso mas em quem me cobre com um manto negro chateia-me bastante, a sério, não suporto isto de ter de te mentir, por isso paremos nos sorrisos que já são demais paremos nos corares que já são demais paremos nas trocas de olhares mesmo em frente à professora de alemão que já são demais, porque eu sei, Nádia, eu sei que ninguém vai ler isto do príncipio ao fim
-As tuas crónicas são tão grandes que eu não tenho paciência para as ler
mesmo tu, Nádia, não as leias que eu só quero que leias as coisas bonitas que te escrevo (ou que te escrevi), não leias que me quero matar porque não quero não leias que eu ainda a amo que eu não amo, já te disse mil vezes que não sou eu quem escreve mas quem toma conta da minha mão quando me sento no sofá de computador ao colo não sou eu juro!, Nádia, tudo isto para te dizer que se trocamos olhares então trocamos olhares se trocamos sorrisos então trocamos sorrisos se trocamos corares então trocamos corares, mas não me peças um beijo porque, para dizer a verdade, não te vou responder que sim, mas também acho que não te vou dizer que não, Nádia, não te inclines, já te disse que não te vou beijar, Nádia, não me ames que eu já te disse que podemos trocar olhares e sorrisos e corares à vontade mas não beijos e vai daí talvez não talvez sim, porra Nádia!, mas que porra de indecisão, para que é que te foste inclinar e pedir-me um beijo se sabes que eu quero apenas sorrisos e olhares e corares e mais nada visto o facto de ainda não a ter esquecido e de ela ainda me mandar cartas, ainda no outro dia me mandou uma a perguntar se eu estava bem e eu respondi que não que estou severamente deprimido e que me receitaram Escitalopram e que eu quero tomar o raio dos comprimidos todos de uma só vez a ver se me esqueço da depressão com a mesma mão com que escrevo, olha a ironia!, e ela nada ela muda ela em silêncio, porra Nádia, não vês que ela não me responde e que eu não te posso beijar, não vês que sofro, não te posso recitar a poesia bonita de Camões e Baudelaire deprimido (vai daí talvez possa), recuso-me, porque o silêncio, esse sim, é a pior resposta, e eu Nádia, não estou feliz para trocar olhares e sorrisos e corares, porque estou prestes (se é que já lá não estou) a entrar na noite escura, e na noite escura, Nádia, não se trocam sorrisos e olhares e corares, por isso desabitua-te da poesia de Camões de Baudelaire e da minha que na noite escura eu não ta vou poder dar, visto o facto de ela não me responder, e o silêncio ser a pior resposta.
Por isso, agora pergunto-te: que dirás tu, Nádia, quando eu entrar na noite escura?
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
O Pesar Da Memória
O que é certo é que era uma memória dolorosa, do tempo em que eu ainda te dava a mão, como uma criança ignóbil quando comparado contigo, do tempo em que eu te sorria e recebia um sorriso como resposta (hoje recebo uma espécie de espasmo), do tempo em que eu te amava e me sentia correspondido. E como aquela memória veio para ficar, sento-me no sofá e vejo a tinta da parede a falar comigo por estalos, deixo que a monotonia da vida se entranhe em mim, e dirijo-me à cozinha. Ainda com aquela memória dolorosa, deixo-me levar para a cozinha, contigo de mão na minha, cuidando que abro a gaveta da cozinha, uma faca no meu pulso, e de repente batem à porta. Era a minha mãe a querer saber se estava bem, a querer saber se tenho andado a comer bem, e eu a pensar que não devia nunca ser vizinho da minha mãe porque depois há chatices destas: uma pessoa quer suicidar-se e aparece a mãe a querer saber se tenho andado a comer bem.
Como julgo que seja impossível alguém suicidar-se depois da mãe lhe ter perguntado se andava a comer bem, lá vou eu para o sofá ver as horas arrastarem-se.
E elas arrastaram-se, disso não haja dúvida, tanto não há dúvida que adormeci, deixei-me levar pelas horas, pela monotonia de estar vivo, pela tua mão na minha, e adormeci. Lá fui eu para o nosso anfiteatro outra vez, e lá estavas tu, a sorrir-me em resposta, a dar-me a mão, a corresponder ao meu amor, e eu, feito parvo, a dormir, julgo, desconheço se dormia ou se morri ali mesmo.
Devo ter adormecido, pois subitamente dei por mim na minha sala, no meu sofá (novamente), e o meu telefone a tocar porque o Tomás queria saber se eu queria ir à bola com ele (já lhe disse tantas vezes que não gosto de futebol), e eu só me lembrava da Margarida, nos cabelos da Margarida, no corpo da Margarida, no riso e no sorriso da Margarida, cuidando que fui ao meu quarto, abri a segunda gaveta do meu armário e enchi a mão de Escitalopram, pronto a por aquilo tudo na boca, e lembro-me do Tomás, do raio do Tomás, que me fez lembrar do raio do jogo do Benfica que já prometi ir ver com ele na próxima semana, que não sou pessoa para faltar às minhas promessas, largando os comprimidos no chão, volto ao sofá, volto à monotonia da vida, volto a ver as horas a arrastarem-se.
Liguei a televisão, mudei de canal de dois em dois segundos, e fiquei a pensar no nada. Minto, pensava, se calhar, no porquê de me querer suicidar. Talvez pela Margarida. Talvez porque ela fugiu com um neurocirurgião, e eu fiquei por onde não devia. Mas porquê matar-me? Basta ignorá-la, basta não falar com ela, basta que ela não fale comigo. Não vou por término à minha existência por ti, não julgues que vou porque não vou.
Pensava eu isto, e decido ir ao meu e-mail. Na caixa de entrada um mail da Margarida a diferenciar-se, de assunto "Tudo bem?", e o anfiteatro a voltar, a Margarida a voltar, as mãos da Margarida, a nostalgia da Margarida, as saudades da Margarida, a Margarida a voltar, cuidando que nem respondo, quero responder mas não respondo, visto estar a dirigir-me novamente ao quarto, procurar a minha Magnum 357, procurar o céu da minha boca.
Desculpa não te ter respondido, mas julgo, não tenho a certeza depois daquele estampido, mas julgo que adormeci.
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
O Que Me Custa Trabalhar
O que me custou não foi teres saído de casa; que tu ías sair de casa, isso já eu sabia. E quem sou eu para te impedir? O que me custa é ver-te todos os dias no trabalho, e pensar que já estivémos casados. O que me custa é pensar no Tiago, de mão na tua mão, de mão no teu cabelo, de lábios nos teus lábios, de lábios no teu pescoço, de... não penso mais, não penso mais, sequer, com medo de fazer alguma coisa que não quero (ou que quero mas que fica mal a uma pessoa fazer).
E no meio disto tudo, durmo numa cama de casal, faço jantar para dois, e acendo duas velas, na esperança de que, a qualquer segundo, tu abandones o Tiago e venhas jantar comigo. Tenta despachar-te, por favor, fiz o jantar há pouco tempo, não tarda nada arrefece e a comida fria não tem piada nenhuma.
Mas deve ser melhor assim, visto tudo: a tua mãe a perguntar-te se eu era o melhor que tu arranjavas, porque parecia que tinha vindo agora mesmo de uma guerra; tu que me pedias constantemente que não fizesse o que queria; eu que respondia, marioneta, aos teus pedidos.
Sim, talvez não fosse de um marido que tu precisavas: talvez precisasses de uma marioneta. E agora cortaram-me os fios, e eu encontro-me desorientado. Mas não te preocupes: eventualmente esquecer-te-ei. Não hoje, não amanhã, não depois. Eventualmente.
Mas o que me custa mais, sabes, é trabalhar contigo e fingir que nunca fomos casados. O que me custa mais é esperar, sozinho, pela tua companhia, se alguma vez te decidires a deixar o Tiago, então volta, sabes que tens aqui, apesar de frio, um jantar preparado para dois.
sábado, 28 de novembro de 2009
C'est La Musique Qui Nous Tue
Ontem, na minha simplicidade, desliguei-me do mundo. Et la fille qui m'a fait chanter dans la pluie, soudainement, monte en ma tête, comme une memoire inconnu. Et elle me dit:
-C'est la musique qui nous tue...
Como um sussurro, como uma fala num filme francês, ela repete:
-C'est la musique qui nous tue...
e repete-se com ela um acorde de Yann Tiersen, que se prolonga, prolonga, prolonga, rumo ao que seria para nós o desconhecido, mas para ela, para ela não, o desconhecido,para ela, já foi tão explorado que não poderá nunca ser desconhecido.
E aquela sensação de ouvir um acorde mesmo certeiro, mesmo onde era necessário, sabem?, quando um acorde (não uma música; um acorde) nos cega, nos torna insensíveis na esperança de o voltarmos a ouvir, e ela repete
-C'est la musique qui nous tue...
num suspiro, num desabafo, ao meu ombro, eu afasto-me car la musique, mon amour, la musique ne me toue pas; c'est toi, c'est ton corp, ton cheveux, tes mots qui me toue. Et la réalité, mon amour, c'est ton âme, c'est ton âme et ta réalité qui me toue. Car quand tu souleves ton feston, mon amour, je suis crispé, je suis admiré, je suis toué.
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
Jalousie: La première Valse
Não me é difícil falar com a Maria:
-Maria! Está tudo bem? Queres dançar?
E óbvio que ela diz que sim (ela pensa que não mas eu sei, eu compreendo como ela olha para mim, como ela me fala de maneira diferente, como ela subitamente fica corada se diz algo errado à minha frente), ela diz sempre que sim, por isso não me preocupo.
Uma mão na cintura (e um sorriso na cara da Maria) depois, és tu quem se revela, ao som da primeira valsa. Diriges-me um sorriso, e eu já sei como tudo irá correr.
O leitor vai desculpar-me, o leitor vai desculpar-me mas eu não sou assim, era do champanhe, ou do vinho, ou do que quer que fosse porque eu não sou assim, foi momentâneo, mas precisava mesmo de, ao som daquela primeira valsa, ver-te sofrer, ver-te virar a cara, ver-me dormir, enfim, tranquilizar a minha consciência.
E ao som da primeira valsa dancei, de cintura da Maria pelo braço leve, pés leves, corpo leve, e no entanto uma consciência tão pesada, memórias tão pesadas, constantemente a serem recordadas (tão pesadas!), a contrastarem com a ausência de peso do meu corpo, dos meus braços, dos meus pés, da Maria, elefantes apoiados numa flor, e tu, um sorriso levezinho, por obrigação e etiqueta, mas doía, eu sei que doía (eu queria que doesse), porque imediatamente viraste a cara e eu lembro-me bem dos tempos que passámos juntos (só viravas a cara para chorar, para tirar o lenço da mala e chorar) em que viravas a cara, muito raramente, mas viravas a cara (virava mais eu a cara que tu, bem sabes disso), e o leitor vai-me desculpar, não me julgue, por favor, não me julgue, mas ao som daquela primeira valsa tomei a Maria nos meus braços, aproximei o meu corpo do dela e dancei a ver-te chorar, perdão!, virar a cara, esqueci-me do eufemismo, e dancei por prazer, só eu e a Maria, elefantes apoiados na flor que tu és. E o prazer daquela primeira valsa...
Sim!, o prazer daquela daquela primeira valsa!
sábado, 21 de novembro de 2009
Eu e a Máscara: Antítese e Autobiografia
-Não sou como imaginas que vivo, pois se assim fosse e vivesse, não seria nem quem serei nem quem sou. Porque a chuva é a chuva, e o céu é o céu, e eu sou eu. Não experimentes (não te atrevas a) dizer que a chuva é morte, e que o céu é esperança, e que o amor é uma doença, e que eu sou tudo, porque não são. A chuva é a chuva, o céu é o céu, o amor é o amor, e eu sou eu. Realidades. Acorda, ó mísero poeta desconhecido! Renasce das cinzas inexistentes!
-Não sou quem pensas que sou, pois se o fosse não era. Porque nem o céu, nem a chuva, nem o amor, nem eu sorriem. Não os personifiques. Não são personificáveis. Não os coloques no mesmo grupo. Não são agrupáveis.
-Não sou como imaginas que amo, pois se assim fosse e amasse, não teria amado nunca. Porque deixei de ser eu para ser tudo e todos, porque tudo e todos assumiram o meu papel. Porque sou apenas um reflexo (sou ele..., não!, melhor!, já sei!, sou o outro!) de quem não serei nunca diluído, com que já fui e sou actualmente.
-Não sou como imaginas que penso, pois se assim fosse e pensasse, não pensaria nunca. Porque tu és fruto do meu pensamento, e eu sou obra tua. Eu não sou senão a tua pessoa, que encaro com toda a seriedade. Tu não és senão um reflexo do meu reflexo. Não sou, nem nunca serei teu reflexo nem tua imagem .
Não sou. Deixa-me não ser.
À Filipa, que me faz ser.
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Os Suicidas Falam Baixinho
não penses que te escreverei. também não penses que agora te escrevo. não penses sequer que este pronome ("te") é indicado à tua pessoa, porque não o é. é "te". e basta.
hoje não vou escrever com maiúsculas. hoje não vou falar alto. hoje comunicarei por murmúrios, sussurros, por indicações cénicas. os suicidas falam baixinho. o que se há de fazer?
Voarei
Ou pelo menos para o sentir.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
A Vida e a Evolução
Retrato De Um Sociopata
Um abrir de olhos, e achei-me num monte confuso de metáforas e "clichés".
domingo, 15 de novembro de 2009
Pensamentos
sábado, 14 de novembro de 2009
Carta À Augusta: Um Inverno Em Lisboa
hoje apetece-me recordar.
Onde acolhes, Augusta, um desalojado? Em tua casa, pois lá está.
Sim, não é a melhor rua do mundo (a tua casa em si própria é já um mundo), com as ruas que nela se ramificam (nessas não ponho os pés), com os larápios que espreitam nos cantos dessas ruas, com o Inverno a cair sobre Lisboa.
Em Lisboa, Augusta, quando cai o Inverno em Lisboa (e cai mesmo, subitamente, deita-se e dorme uma soneca no meio do Chiado), tudo é Inverno também. É uma doença, o Inverno que contagia tudo e todos.
Hoje, por exemplo, passei uma tarde num café, Augusta. Já sabes como sou, dão-me um café, e eu ofereço uma tarde. É sempre assim. Nada mudou.
Mas continuando, estava a falar do café. Como sempre fiquei cá fora, de forma a poder ver as pessoas passar. Os Portugueses são curiosos. Tanto falam no seu dialecto, convencidos de que assim ninguém os compreende. E é verdade: os segredos que a nossa língua guarda... A doçura com que eles falam (ainda que venenosamente) não tem comparação possível.
Outra característica óbvia do Inverno em Lisboa, são as ruas. As ruas, sabes, metamorfoseiam-se a seu bel-prazer. Nota-se mais no Inverno: adquirem uma tonalidade semelhante à das ruas londrinas. Talvez seja dos estrangeiros. Talvez seja do Inverno. Não sei, já não percebo nada.
Percebo, no entanto, uma coisa: quando desce o Inverno em Lisboa, desce com ele uma tristeza. Ou se calhar não. Os enfeites de Natal iluminam as ruas portuguesas (com desejos londrinos) e conferem-lhes um sorriso.
Talvez seja isso o Inverno em Lisboa: uma tristeza alegre.
Talvez seja isso o Inverno em Lisboa: uma antítese.
Talvez não passe disso o Inverno em Lisboa: talvez eu imagine demais.
Mas hoje, Augusta, ao ver as ruas duvidosamente portuguesas a verterem lágrimas, ao ver pássaros voarem contra ventoínhas, iluminados por enfeites de Natal, pensei na falta que me fazes.
Sim, agora percebo, é isso o Inverno em Lisboa: a falta que me fazes.
Crónica dedicada (outra vez) à Sophia, que tanta falta me faz.
Novas Doenças
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Crónica Em Formato De Poema
De uma paixão sofrida,
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Diálogos A Um (Nº1)
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Hoje Chove
terça-feira, 10 de novembro de 2009
Uma Cantiga de Amor
estou a estudar Literatura Portuguesa. Hoje tentarei escrever uma cantiga de amor (com refram) em galaico-português...veremos se sou bem sucessido.
Ca Deus quis que por mha senhor
Apaixonado fosse, sofredor,
De todalas coitas; assi sofri
Pois teu esposo de mi se ri,
E eu, de coita me quedo...
Minha'alma, sou surd'e cego!
Pero que Deus quis que assi
Me quedasse, coitado,
Surd'e cego; A Ti, Deus, a Ti,
Espanto'ra meus males e me quedo,
Dexo m'ir enforcado...
Minh'alma, sou surd'e cego!
Espant'and'ora meus males assi,
Me quedo de coita, sofredor.
Eis que (pra sempr') amarei mha senhor,
E quedo de coita, e assi quedo,
Vejo mha senhor um outr' amar,
Que me dexo, assi, matar...
Minh'alma, sou surd'e cego!
Não gostei. Está mal escrita: não tem uma estrutura fixa (nem silábica, nem estrófica), e está falsamente escrito em galaico-português (língua da qual não sou falante)...apesar de tudo, foi uma experiência, uma primeira experiência. Pode ser que da próxima seja melhor.
Um Suicida
Hoje apetece-me ser alguém. Gostava de poder ser Humana, para variar, abandonar o meu corpo e viver por um dia...só gostava de poder
(abrir e fechar as mãos)
sentir o vento,
(correr e saltar),
sentir a chuva a escorrer na minha cara,
(gritar, falar, fazer sons),
sentir que a minha vida nunca terminará.
Infelizmente, não me concederam esse dom: sou uma gaivota, e para nada vivo. Gostava de ser como aquele rapaz ali, que está vestido de preto (não sei porquê), e que se mistura no meio da multidão. Traz um livro na mão (branco, que contrasta bem com o seu cabelo curto e escuro), curioso, vou segui-lo. Pode ser que ele me leve a algum lado
(é sempre bom ir a algum lado).
Saltito por entre a multidão, mas a multidão cobre-me: afinal, quem sou eu para além de uma gaivota?
Abro as asas e encontro-me no ar. Perscruto a multidão na esperança de o voltar a encontrar, e eis que o vejo, num dos bancos de pedra, sentado, a ler. Desço.
Saltito novamente ao encontro dele. Ele enxota-me
(no quotidiano, ninguém quer a companhia de uma gaivota)
com a mão direita, coberta por uma luva branca apenas.
Curiosa figura, esta: todo vestido de preto à excepção do livro e da luva branca que usa apenas na mão direita. Lá terá os seus motivos, e eu não me importava de os conhecer. Posso ser só uma gaivota, mas sou curiosa.
Leio a capa do livro
(sim, sou um gaivota que sabe ler):
"Les Fleurs du Mal", de Charles Baudelaire.
Saltito
(mais uma vez)
pelas costas do rapaz, e olho para o que ele lê. O livro está aberto no capítulo "La Mort", e ele lê um poema chamado"La Fin de la Journée"
(sim, sou uma gaivota com cultura que sabe ler em francês).
Está um dia de sol
(ainda bem, odeio dias de chuva!),
e no entanto, está tão frio...o Inverno deve estar para vir, em breve, se é que já não chegou. Ele não precisa de uma porta para entrar: precisa de uma mão estendida. De uma mão aberta. De um pequeno empurrão.
E eis que o rapaz se levanta. Dirige-se à Torre Vasco da Gama
(não sei porquê, está fechada)
e fica cá em baixo, na base da Torre
(que aborrecimento!)
a olhar lá para cima.
Já vos disse onde moro? Não? Construí o meu ninho no topo da Torre, mesmo lá em cima, por cima da parte aberta aos visitantes, de forma a poder ver tudo o que se passa na EXPO. Nos Olivais. Em Moscavide. Em Lisboa. Nada me escapa.
O rapaz continua a olhar, e não mexe um músculo que seja. Fosse ele quem fosse, perdi todo o meu interesse. O meu único interesse agora é voltar para o meu ninho.
E é isso que faço, abro as asas e subo. Chego ao meu ninho, e olho em volta. Tudo está como costuma estar, à excepção de um pormenor: o rapaz não está lá, na base da Torre. Olho para a parte aberta aos visitantes. Está lá o rapaz. Como é que ele chegou lá tão rapidamente? Tenciono descobri-lo.
E então, doce, triste, e lentamente, como numa longa valsa dançada por dois apaixonados,
o rapaz tirou uma arma do bolso,
(e eu descia, lentamente, descia),
pôs a arma na boca,
(e eu descia, tristemente, descia),
premiu o gatilho,
(e eu descia, não sei porquê mas, descia),
um estampido, um ruido de morte,
(eu descia, com ouvidos que não tenho, descia),
e uma bala, a atravessar a cabeça do rapaz, a dirigir-se a mim,
(e eu descia, tarde demais, descia),
o rapaz achou-se caído numa poça do seu sangue,
(e eu descia, eternamente, descia),
e um livro de poemas, que devido ao sangue que agora o cobria, nunca mais voltaria a ser lido.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Comentário
domingo, 8 de novembro de 2009
Inverno
Não tenho opinião sobre o Inverno (eu que opino tanto, e que duvido da existência do verbo opinar), senão que é a minha estação preferida do ano:
é tão bom ir à praia no Inverno,
(chove, o céu coberto de nuvens, e eu e tu na areia molhada)
ver o mar zangado do Inverno,
(ele a rebentar os meus problemas)
olhar-me ao espelho no Inverno,
(uma cara coberta de chuva)
ver-te no Inverno,
(tanto tempo sem te ver, e ainda me lembro da chuva a pingar das tuas pestanas)
e, sobretudo, gostar do Inverno,
(sei que chegou porque chove e eu tenho os pés frios)
desta minha estação favorita
(em que chove e eu fico com os pés frios)
em que me lembro de ti, de mim, da praia e do mar, de tudo, de tudo, da lua e das estrelas, de tudo, do sol e dos planetas, de tudo, de tudo o que nos juntava.
Não preciso de um calendário para saber que é Inverno: chove e tenho os pés frios; é quanto me basta.
Também não preciso de um calendário para saber que é domingo
(estou num café da EXPO, chove e tenho os pés frios)
e que estás em casa com o teu marido (eu também gostava de estar em casa com a minha mulher), a rir, alegre, contente, uma alegria cancerígena que se propaga e que eu tento evitar a todo o custo, porque te faz mal,
-Ou não
porque te destroi,
-Ou não
porque te mata,
-Ou não
porque te tira a vontade de escrever,
-Ou não
porque não te quer bem,
-Ou não
garantias que eu, no meu lugar de cronista,
(não de neurocirugião, não de médico bem sucedido)
não te posso dar.
A única garantia que te posso dar é que estamos num Domingo de Inverno: estou num café da EXPO, chove e eu tenho os pés frios.
Quero Morrer Embrulhado Num Livro
(de sonetos de Baudelaire)
gostava de definhar nas páginas
(de um romance de José Eduardo Agualusa)
de um livro
(de crónicas de António Lobo Antunes)
de que eu gostasse, que me tivesse feito
(contos de Edgar Allan Poe)
chorar ou rir, amar ou esquecer, que me tenha feito algo,
(bom ou mau)
que me tenha feito falar, que me tenha feito aprender,
(Literatura ou Comercial)
tanto me faz,
eu
(só)
queria
(quero)
ficar
(morrer)
embrulhado
()
num
(livro)
.
Ainda Te Amo
pelo medo que voltes a fugir
Talvez
Para a Família
Eventually.
sábado, 7 de novembro de 2009
Carta Aberta à SL
Tive de voltar a ler, porque não acreditei à primeira.
"Será verdade?"
Voltei a ler,
(pode ser que acredite à segunda):
"Será verdade?"
Só quando li à terceira,
("Será verdade?")
é que percebi que era mesmo verdade.
Apenas por três vezes as lágrimas me correram dos olhos ao ler um livro( se não contar com alguns sonetos de Charles Baudelaire): ao ler "O Pássaro de Fogo" (Nicky Singer), ao ler "Kafka à Beira-Mar" (Haruki Murakami), e ao ler "O Vendedor de Passados (José Eduardo Agualusa), e todos eles me fizeram chorar pelas mais diversas razões (identificáveis).
Agora dou por mim perante uma novidade: chorar (e desconheço as causas que me levaram a isso) por causa de um comentário. E fizeste-me pensar seriamente naquilo que sou (ou pensava ser)... se calhar foi por isso que chorei, não sei, mas não é isso que interessa. O que interessa é que me fizeste pensar.
Fazes ideia do grupo de pessoas que me fazem pensar? Não? Eu dou-te uma ideia: conto-as pelos dedos das mãos (vá, juntemos a elas os pés também), e é só isto.
Passei o dia inteiro a perguntar às pessoas se sabiam quem tu eras, na esperança de me encontrar contigo ,
(por acaso)
mas é tão simples
(até sei quem és)
porque já me disseste quem eras,
(o teu nome é SL)
e eu não te encontro.
Só te quero dar os parabéns, SL, porque me fizeste ter um dia de reflexão sobre a minha pessoa, um dia de aprendizagem sobre a minha Filosofia, e sobretudo um dia de reflexão sobre a única coisa (eu que nem gosto de dizer "coisa") que te quero dizer:
-Chamas-me Cronista, e agradeço-te por tal (duvido que me possam fazer maior elogio), mas se eu sou Cronista, então quem és Tu?
E tudo isto porque acho que fizeste uma interpretação tão
(e tanto quanto te foi possivel, perdoa-me se interpretei mal as tuas palavras)
tua...
E, ainda assim, viste-me lá.
Obrigado.
Um beijo,
João de Matos
P.S. -Desculpa a eventual desordem em que esta carta te chegar, mas não me dei (nem me vou dar) ao trabalho de a reler. Quero que a leias crua.
A Uma Desconhecida
E, pela primeira vez, não foi de tristeza...
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
Deixa-me Sorrir
Já que me sento ao teu lado em geografia, vou por a minha teoria em prática: a tua mão está lá (disso eu tenho a certeza) em cima da mesa, e a minha, a deslizar em direcção à tua, como quem não pergunta nada e passa directo à acção (era isso que tu querias que o Pedro fizesse no teu encontro, eu sei porque o disseste em voz alta e eu estava lá, estava lá mas tu não me vias), a minha mão em cima da tua, a tua mão a fugir, e tu a sorrir, a sorrir, a sorrir.
No outro dia vi-te na rua, mulher feita de homem pelo braço, e eu não me controlei (impulsos reprimidos não se podem controlar, acho eu), simplesmente cheguei-me ao pé de ti, e
-Lembras-te de mim?
recebi aquela resposta que era a origem do meu amor por ti
-Não
e eu não me controlei
(penso que é impossível de se controlar impulsos reprimidos durante quinze anos)
-Um dia destes queres casar-te comigo?
(porque pensava que o casar-se era o ir a algum lado dos adultos, perdão pelo meu erro)
e não me bastou ter levado uma sova do Pedro, como tive de te ver a ir embora
(mulher feita de Pedro pelo braço)
a sorrir, a sorrir, a sorrir.
À Sophia, que nunca me desapontou.
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
O Divórcio
Trata-se de um assunto sobre o qual eu (que tenho apenas 15 anos e tanta experiência de vida como uma mosca da fruta), ignorante, julgo não conseguir perceber. A minha dúvida é a dúvida de sempre: porque é que eu me sinto assim?
Pode parecer egoísta, eu sei, afinal são os meus pais que se divorciaram, mas obviamente que tal divórcio também se reflecte em mim, certo? Obviamente que eu também tenho direito a sentir-me mal, certo?
Mas sabem, agora digo-vos em confidência (o que é uma impossibilidade que seria interessante de explorar numa outra crónica): o pior de tudo é sentirem-se únicos. Eu, que espero a singularidade como quem espera um casamento feliz, sinto-me mal por não haver mais ninguém como eu. Não faz sentido, pois não? Bem me pareceu. Gosto de falar convosco, vocês compreendem-me.
Acontece que agora, já nem me posso sentir mal sequer! É verdade: no outro dia, numa conversa com uns colegas de turma, vim a saber que mais de metade deles, tal como eu, são filhos de pais divorciados. Isto levanta-me dúvidas interessantes: vamos supor que todas as turmas da escola são como a minha. Sendo assim, mais de metade dos meus colegas de escola têm pais divorciados. E eu, no meio disto tudo, já não sou único coisíssima nenhuma! Bolas!
Bem, se vamos falar dos meus colegas de escola, aproveito para dizer: cinco deles têm gripe A. Têm de andar pela escola de máscara pela boca, com toda a gente a apontar o dedo, a comentar, a (e é triste de se dizer) afastarem-se deles, de modo que eles criam um corredor de alunos por onde passam (quando tenho pressa para saír da escola costumo ir atrás deles, qual TGV humano).
Novamente digo: tenho 15 anos, e não tenho idade para compreender o divórcio. Para mim, o divórcio é como a gripe A: uma doença. Só que para o divórcio aínda não há vacina.
E é por isto que fico chocado: cinco colegas da minha escola (cinco!) têm gripe A, e toda a gente foge deles a sete pés, obrigam-nos a usar máscaras, apontam-lhes o dedo e comentam; mais de metade (mais de metade, mais de metade!) da escola sofre de pais divorciados, mas ninguém foge deles, não têm de usar máscaras, ninguém lhes aponta o dedo nem nem ninguém comenta.
Talvez um dia, quando inventarem a vacina para o divórcio, isto mude. Talvez quando apareça uma vacina para isso, as pessoas percebam que o divórcio não é tão bom como isso. Talvez um dia andemos todos a fugir uns dos outros como medo de apanhar um leque de doenças.
Amanhã vou para a escola com um saco de seringas na mão, distribuir vacinas contra o divórcio. Mas pergunto: será que é possível vacinar alguém que não quer ser curado?
Crónica dedicada à Diana, ao Tiago, e à Leonor (que conheço somente através um comentário a uma das minhas obras), por seguirem tão atentamente estas crónicas.
Eis que eu surjo aqui.
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Pedido de Desculpa aos Devoradores de Vírgulas
Quero apenas pedir desculpa aos meus Devoradores de Vírgulas, mas nos próximos tempos terei algumas dificulades para publicar novas crónicas. Afinal, os romances não se escrevem sozinhos...
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Relato de um Crime
terça-feira, 27 de outubro de 2009
Aquele lugar onde te amei em silêncio
-Ah!, já não vão, ela fugiu com outro
Filipa
Sabem, a Filipa é, de facto, deveras singular. Já lhe disse uma vez
-Acho que tens dupla personalidade,
porque parece, a sério que parece! Vocês, que não a conhecem, não fazem ideia, mas eu acho que se houvesse uma entrada no dicionário para "Dupla Personalidade", o verbete não passaria de uma fotografia da Filipa.
E o Tiago, que está sentado no meu sofá, a ver televisão
(bolas, como odeio o Telejornal!)
ele não me diz nada, mas eu bem sei que ele se irá levantar, e perguntar-me-á
-Então, mas a moça é a tua melhor amiga, e tu estás a dizer mal dela? Aínda por cima numa crónica, devias era dizer todas as qualidades dela!
e eu mudo, e eu calado, porque tu não a conheces Tiago, tu não a conheces como eu, porque se a conhecesses, saberías que a dupla personalidade é a melhor característica da Filipa.
Às vezes pergunto-me se ela existe: não porque gosto de filosofar, mas porque ela me parece apenas um conceito, um algo de muito abstracto, não pode ser real, simplesmente não pode, a perfeição não existe da mesma forma que a imperfeição não existe, e tu, Filipa, não podes ser real, não podes mesmo, porque se me dizes
-
não posso reproduzir o que me disseste porque o papel não fala, as letras não têm o teu tom de voz, e no entanto ele está-me marcado na cabeça, a repetir
-
e eu, sem resposta,
(nunca me tinham dito
-
juro que nunca mo tinham dito, e eu embasbacado)
abraço-te, porque me fizeste sentir bem sem que sentisse algo por ti, e sabes Filipa, eu que me apaixono com tanta facilidade, nunca me apaixonei por ti
(és a minha melhor amiga, esta é a mais pura das verdades, jamais te mentiria)
porque és só um conceito, um abstracto, um inexistente, e no entanto estás lá, nunca me deixaste e eu pergunto-me porque é que nunca senti nada por ti para além de amizade,
(eu que me apaixono com tanta felicidade, e tu que és tão bonita)
se calhar porque foste
és
serás
a minha melhor amiga, espero que não o deixes de ser, Filipa, porque nunca me apaixonei, a sério que nunca me apaixonei por ti, apesar de tua dupla personalidade,
-Maravilha!
apesar das confissões que já me fizeste,
-Uau!
apesar de me teres dito
(acho que agora já o consigo reproduzir, não vai ter o teu tom de voz mas o meu, espero que não te importes)
-No outro dia, fui meia hora mais cedo para a igreja e fui rezar por ti.
-Espantoso!
e eu,
(eu!)
não fazes ideia, Filipa, a sério que não fazes ideia porque
(peço desculpa ao leitor, mas esta frase agora é mesmo apenas para ela)
quando o disseste,
(nunca me apaixonei, a sério, nunca me apaixonei por ti)
senti-me tão bem,
(porque és a minha melhor amiga, prometo-te que foste, és, e farei os possíveis para que continues a ser a minha melhor amiga)
amado,
(não que eu gostasse de ti, porque não gosto
aliás, gosto, mas como amiga, a sério, só como amiga)
protegido,
(e sei que não gosto porque tu foste a primeira)
singular,
(rapariga que me fez sentir bem, e que nunca me fez sentir mal, ao contrário do meu Dia,
nostalgia
ao contrário do meu Pássaro de Fogo,
paixão platónica e incontrolável
ao contrário da Ma Passante,
que eu amo em silêncio, )
concreto e no entanto,
(todas elas, sem excepção, por um momento ou outro, me fizeram sentir mal, tu não, tu nunca, tu sempre me fizeste sentir bem, se calhar porque não passas de um conceito, de um abstracto de um)
irreal.
Um dia destes escrever-te-ei a crónica que me pediste
(hoje não, hoje és tu o tema)
e perguntar-te-ei
-Gostaste?
só para ouvir qual das tuas personalidades me irá responder.
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
Isto de se ser escritor
Deixarei de escrever? Não. Preciso de sofrer. Preciso de ter estas manias de poeta,
andar à chuva,
gostar do inverno,
ficar com frio,
guardar emoções.
É como disse, isto de ser escritor passa muito por sofrer, sabem? Mas preciso de assuntos para preencher folhas, por isso invento as minhas mágoas.
Ultimamente a minha maior dor (real) tem sido a nostalgia, o que significa que um dia irei fazer uma crónica sobre a nostalgia. Não sei bem quando, mas também isto de se ser escritor passa muito por isso: a inspiração (na qual eu nem sequer acredito) vem tão de repente que nem dás por ela chegar. Só pecebes que ela passou porque estás a chorar com um sorriso estampado na cara.
Já me perguntaram muitas vezes Como é que se escreve. A resposta é simples: sofre, deixa o sofrimento entrar em ti, usa uma máscara para deixar transparecer que és a pessoa mais feliz à face da Terra enquanto o teu interior te consome, olha para a chuva e chove com ela, envolve-te no teu sofrimento mais uma vez, adormece a chorar, acorda a sorrir, adormece a chorar, acorda a sorrir, adormece a chorar, acorda a sorrir, pensa no objecto de teu sofrimento uma última vez, vai à praia num dia de chuva e escreve o nome do teu objecto na areia enquanto vês as gotas de chuva a dissolverem as palavras, chove com elas mais uma vez, e depois de tudo isso, toma um bom banho de água quente, pega numa folha de papel ou num computador ou numa máquina de escrever, e fala sobre o teu sofrimento. Então saberás o que é escrever como escrevo.
Quando acabares de escrever, vais pensar como eu, vais viver como eu, vais sentir-te como eu, tudo isso para perceberes que não passas de um ser narcisista. Depois, vais pensar em ti, vais cair em desgraças e desgostos pelos teus pensamentos e após tudo isso,
e só se tiveres passado por todos os passos,
terás um momento de clareza,
e perceberás como estavas errado.
Contemplarás a tua obra,
e pensarás
"Sim, agora já não sou ninguém."
Eu, Tiago, confesso-me na dúvida
Acho imensa piada a quando deixo escapar numa conversa
-Eu sou catequista
e as pessoas ficam a olhar para mim. Ficam a olhar para mim, um olhar que eu distingo dos outros, mas que não percebo o que significa,
(sei de fonte segura que um deles era
-A sério?!)
por isso olho-os também. Mas continuo sem perceber o que significam.
Mas sim, é verdade, este ano sou catequista. E, para dizer a verdade até me estou a sentir um bocado culpado por estar a escrever esta crónica, pois devia estar a preparar o próximo encontro de catequese. Mas não estou, porque hoje apetece-me falar de Deus.
(...)
Lembro-me de perguntar uma vez a uma criancinha
-Então, quem é Deus para ti?
e ela pensa, pensa, pensa, e diz-me uma coisa que até aos dias de hoje considero acertada
-Hum...não sei. Mas se foi Ele quem criou o mundo, então deve ser muito velho.
Portanto, voltamos novamente ao esteriótipo de que Deus é um velhote de 50, 60 anos, que está ali no céu à espera que a gente morra para nos dar um abraço. Criado por uma criança.
-Então e o que é para ti o Paraíso?
Uma pergunta para a qual já esperava a resposta subjectiva que ela me deu
-É um sítio cheio de chocolates e de brinquedos.
Não posso discordar mais. Embora estivesse ciente de que a resposta seria subjectiva aquela...
criança irritou-me imenso. Brinquedos? Mas que raio?! Toda a gente sabe que o céu está cheio de livros! Ai, a ingnorância...
E a criança pergunta-me
-Tiago, o que é o Inferno?
"fogo que o puto quer-me tramar..."
-Epá, o Inferno é... diz-me uma coisa da qual tu não gostes nada.
-A minha tia a cantar.
-O Inferno é um sítio cheio de mulheres que cantam como a tua tia. Por isso cautela, Francisco,
cautela. Porta-te bem se não quiseres ir lá parar.
E o Francisco nunca mais me falou.
Ora, no meio disto tudo, fico eu indeciso: a mim
(que odeio ler)
ensiram-me que o Paraíso é um lugar cheio de livros, e que o Inferno,
aparentemente,
é um lugar cheio de senhoras a cantar.
Bem, não me julgue, por favor Senhor Padre, não me julgue, mas é só que começo a ficar indeciso entre o Paraíso e o Inferno.
-Então agora pergunto-te eu, meu filho: porque é que te preocupas tanto com o que irá acontecer quando morreres, se ainda estás vivo?