A vida traduz-se em letras

sábado, 19 de dezembro de 2009

A Essência da Maçã Verde

Sempre que entravas no metro, eu já estava lá à tua espera (sabia que entravas uma paragem depois de mim, sabia que nunca te atrasavas, sabia que gostavas de andar na primeira carruagem). Se me vias? É óbvio que me vias, sim, está bem, não falavas comigo, mas vias-me, tenho a certeza disso.
Lembro-me da forma como tu entravas e na forma de como todos os outros falavam nos pavorosos minutos do sismo de ontem à noite. Se tu me falavas de sismos? Não, está bem, não me falavas de sismos, mas tenho a certeza de que querias falar e tenho também a certeza de que eras demasiado tímida para o fazer. Tenho a certeza de que te lembras de mim. Aposto que não havia assim tanta gente a entrar no autocarro de Dostoievsky na mão, aposto que não havia ninguém de fato de seda, aposto que reparavas nos meus arranjos já que eu só me arranjava para tu reparares.
Lembro-me de passares por mim e de tentar cheirar o teu perfume que cheirava a maçã. Verde. Maçã verde. E é por me ter vestido de fato, por ter andado de Dostoievsky na mão, por ter tentado cheirar o teu perfume mil vezes que eu sei que tu te lembras de mim.
Eu também tentava não me esquecer de ti (excepto quando trazias um livro de Paulo Coelho, ou de Nicholas Sparks) dos teus cabelos, dos teus olhos, do teu perfume (que cheirava tanto, tanto, tanto a maçã verde) e, subitamente, o condutor do autocarro vira o volante numa curva apertada e tu cais sobre mim, o teu corpo a tocar no meu, e eu sei que fizeste de propósito. Com tanta tecnologia que há hoje em dia, toda a gente contraria as leis da física, mas as leis de um perfume que cheirava assim tanto a maçã verde, essas oh!, essas não se contrariam.
Não percebi porque é que deixaste de andar na primeira carruagem do metro das oito e trinta e sete, mas julgo que em breve voltarei a sentir o cheiro da maçã verde.

2 comentários:

  1. um passarinho verde... a cheirar a maçã verde. engraçado! :)

    Paulo Coelho não é assim tão mau... ganha-se-lhe o gosto lentamente. Já leste Veronika decide morrer? Eu gostei e recomendo.

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  2. Estive a ver as nossas fotografias do início do ano, quando fomos ao vasco da gama ver aquele filme pior que horrível, e depois cheguei à conclusão que preferia mil vezes esse tempo (quem diria que foi há um ou dois meses atrás?) ao que estamos agora. Tenho completa noção que eu não sou o que pareço, que desiludo as pessoas, eu que tenho tantas pancas, manias, vícios, ideias parvas e repentinas mudanças de humor, mas João, eu dava tudo para que nada tivesse mudado. Talvez não desse tudo, já se sabe, e também não é possível voltar atrás, só continuar em frente e tentar melhorar o futuro (que digo-te já, para mim avista-se negro).

    O propósito de tudo isto é dizer que tenho saudades tuas.

    Mariana.

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