A vida traduz-se em letras

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O Que Me Custa Trabalhar

Não sou parvo ao ponto de te dizer que não estou bem, que choro todos os dias, não sou parvo para o admitir à tua frente. Mas a verdade, sabes, é que as recordações (as boas que tenho de ti, pelo menos) não se esquecem com facilidade. E as dores demoram a passar.
O que me custou não foi teres saído de casa; que tu ías sair de casa, isso já eu sabia. E quem sou eu para te impedir? O que me custa é ver-te todos os dias no trabalho, e pensar que já estivémos casados. O que me custa é pensar no Tiago, de mão na tua mão, de mão no teu cabelo, de lábios nos teus lábios, de lábios no teu pescoço, de... não penso mais, não penso mais, sequer, com medo de fazer alguma coisa que não quero (ou que quero mas que fica mal a uma pessoa fazer).
E no meio disto tudo, durmo numa cama de casal, faço jantar para dois, e acendo duas velas, na esperança de que, a qualquer segundo, tu abandones o Tiago e venhas jantar comigo. Tenta despachar-te, por favor, fiz o jantar há pouco tempo, não tarda nada arrefece e a comida fria não tem piada nenhuma.
Mas deve ser melhor assim, visto tudo: a tua mãe a perguntar-te se eu era o melhor que tu arranjavas, porque parecia que tinha vindo agora mesmo de uma guerra; tu que me pedias constantemente que não fizesse o que queria; eu que respondia, marioneta, aos teus pedidos.
Sim, talvez não fosse de um marido que tu precisavas: talvez precisasses de uma marioneta. E agora cortaram-me os fios, e eu encontro-me desorientado. Mas não te preocupes: eventualmente esquecer-te-ei. Não hoje, não amanhã, não depois. Eventualmente.
Mas o que me custa mais, sabes, é trabalhar contigo e fingir que nunca fomos casados. O que me custa mais é esperar, sozinho, pela tua companhia, se alguma vez te decidires a deixar o Tiago, então volta, sabes que tens aqui, apesar de frio, um jantar preparado para dois.

sábado, 28 de novembro de 2009

C'est La Musique Qui Nous Tue

Às vezes, quando me encontro na simplicidade que é escrever, gosto de ouvir Yann Tiersen. Deixo os acordes simples do piano fluirem a seu bel-prazer do meu computador, na sua longa travessia até chegarem aos meus ouvidos.

Ontem, na minha simplicidade, desliguei-me do mundo. Et la fille qui m'a fait chanter dans la pluie, soudainement, monte en ma tête, comme une memoire inconnu. Et elle me dit:

-C'est la musique qui nous tue...

Como um sussurro, como uma fala num filme francês, ela repete:

-C'est la musique qui nous tue...

e repete-se com ela um acorde de Yann Tiersen, que se prolonga, prolonga, prolonga, rumo ao que seria para nós o desconhecido, mas para ela, para ela não, o desconhecido,para ela, já foi tão explorado que não poderá nunca ser desconhecido.

E aquela sensação de ouvir um acorde mesmo certeiro, mesmo onde era necessário, sabem?, quando um acorde (não uma música; um acorde) nos cega, nos torna insensíveis na esperança de o voltarmos a ouvir, e ela repete

-C'est la musique qui nous tue...

num suspiro, num desabafo, ao meu ombro, eu afasto-me car la musique, mon amour, la musique ne me toue pas; c'est toi, c'est ton corp, ton cheveux, tes mots qui me toue. Et la réalité, mon amour, c'est ton âme, c'est ton âme et ta réalité qui me toue. Car quand tu souleves ton feston, mon amour, je suis crispé, je suis admiré, je suis toué.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Jalousie: La première Valse

Chegado a salão de baile, dirigi-me ao bar. Curioso, quase que podia jurar que... não, é mesmo, é mesmo a Maria! Perfeito. Tudo corre bem...
Não me é difícil falar com a Maria:
-Maria! Está tudo bem? Queres dançar?
E óbvio que ela diz que sim (ela pensa que não mas eu sei, eu compreendo como ela olha para mim, como ela me fala de maneira diferente, como ela subitamente fica corada se diz algo errado à minha frente), ela diz sempre que sim, por isso não me preocupo.
Uma mão na cintura (e um sorriso na cara da Maria) depois, és tu quem se revela, ao som da primeira valsa. Diriges-me um sorriso, e eu já sei como tudo irá correr.
O leitor vai desculpar-me, o leitor vai desculpar-me mas eu não sou assim, era do champanhe, ou do vinho, ou do que quer que fosse porque eu não sou assim, foi momentâneo, mas precisava mesmo de, ao som daquela primeira valsa, ver-te sofrer, ver-te virar a cara, ver-me dormir, enfim, tranquilizar a minha consciência.
E ao som da primeira valsa dancei, de cintura da Maria pelo braço leve, pés leves, corpo leve, e no entanto uma consciência tão pesada, memórias tão pesadas, constantemente a serem recordadas (tão pesadas!), a contrastarem com a ausência de peso do meu corpo, dos meus braços, dos meus pés, da Maria, elefantes apoiados numa flor, e tu, um sorriso levezinho, por obrigação e etiqueta, mas doía, eu sei que doía (eu queria que doesse), porque imediatamente viraste a cara e eu lembro-me bem dos tempos que passámos juntos (só viravas a cara para chorar, para tirar o lenço da mala e chorar) em que viravas a cara, muito raramente, mas viravas a cara (virava mais eu a cara que tu, bem sabes disso), e o leitor vai-me desculpar, não me julgue, por favor, não me julgue, mas ao som daquela primeira valsa tomei a Maria nos meus braços, aproximei o meu corpo do dela e dancei a ver-te chorar, perdão!, virar a cara, esqueci-me do eufemismo, e dancei por prazer, só eu e a Maria, elefantes apoiados na flor que tu és. E o prazer daquela primeira valsa...
Sim!, o prazer daquela daquela primeira valsa!

sábado, 21 de novembro de 2009

Eu e a Máscara: Antítese e Autobiografia

-Não sou quem imaginas que sou, pois se o fosse não haveria mais nada senão sonhos. Vivemos na realidade, no concreto (por vezes também no abstracto), e nada tem significado. De que me serve pensar, se posso ver? A chuva, esse aglomerado de água cuja existência se limita a uma queda constante, não é nada senão chuva. O céu, (azul, cinzento, vermelho, ou até cor-de-rosa às bolinhas amarelas), não é nada senão um céu. O amor é um sentimento, e jamais será uma doença.

-Não sou como imaginas que vivo, pois se assim fosse e vivesse, não seria nem quem serei nem quem sou. Porque a chuva é a chuva, e o céu é o céu, e eu sou eu. Não experimentes (não te atrevas a) dizer que a chuva é morte, e que o céu é esperança, e que o amor é uma doença, e que eu sou tudo, porque não são. A chuva é a chuva, o céu é o céu, o amor é o amor, e eu sou eu. Realidades. Acorda, ó mísero poeta desconhecido! Renasce das cinzas inexistentes!

-Não sou quem pensas que sou, pois se o fosse não era. Porque nem o céu, nem a chuva, nem o amor, nem eu sorriem. Não os personifiques. Não são personificáveis. Não os coloques no mesmo grupo. Não são agrupáveis.

-Não sou como imaginas que amo, pois se assim fosse e amasse, não teria amado nunca. Porque deixei de ser eu para ser tudo e todos, porque tudo e todos assumiram o meu papel. Porque sou apenas um reflexo (sou ele..., não!, melhor!, já sei!, sou o outro!) de quem não serei nunca diluído, com que já fui e sou actualmente.

-Não sou como imaginas que penso, pois se assim fosse e pensasse, não pensaria nunca. Porque tu és fruto do meu pensamento, e eu sou obra tua. Eu não sou senão a tua pessoa, que encaro com toda a seriedade. Tu não és senão um reflexo do meu reflexo. Não sou, nem nunca serei teu reflexo nem tua imagem .

Não sou. Deixa-me não ser.


À Filipa, que me faz ser.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Os Suicidas Falam Baixinho


acabou. com uma rapidez semelhante à da sua vinda, foi-se embora. e ainda bem. porque é melhor assim. e hoje, hoje não me vou dar ao trabalho de explicar o meu discurso. é assim que ele vai ficar.

não penses que te escreverei. também não penses que agora te escrevo. não penses sequer que este pronome ("te") é indicado à tua pessoa, porque não o é. é "te". e basta.


hoje não vou escrever com maiúsculas. hoje não vou falar alto. hoje comunicarei por murmúrios, sussurros, por indicações cénicas. os suicidas falam baixinho. o que se há de fazer?

Voarei

Se tudo fossemos nós, ó meu amor,

nada mais havia.

E é melhor assim, meu amor,

porque quero voar mais alto.

Se um dia destes voar

(e voarei, estou certo disso),

estarás lá para o ver.

Ou pelo menos para o sentir.

Hoje irei voar.

Provavelmente amanhã não.

Depois de amanhã

Já não sei quem és.

Mas hoje irei voar.

Deixarei de escrever,

Uma mão, um corpo frio,
Arrefecido pelo término da existência,
Porque hoje quero voar.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A Vida e a Evolução

Se um dia (e só se) acordasse, gostaria de dormir. Talvez porque o acordar me dá sono, ou porque o sono me acorda. Já não sei e, muito sinceramente, não tento sequer saber.
Dizem-me que é um mal comum da juventude, esta ânsia pela ignorância. Tanto quanto sei, faço parte da juventude, e erro como qualquer um. Porquê fazer destes erros, ó tu, motivos pelos quais me reconhecem? Se em tudo me igualo aos outros, porque sou, ó tu, diferente? Se é por dormir e não (querer) acordar, então despreocupa-te; não dormirei mais. Mas não será por tua vontade. Antes pela minha de te querer confundir. (-Confusa? Satisfeito.)
Já trabalho nesta crónica há muito tempo, e as minhas ideologias e estratégias de raciocínio já se alteraram tanto que isto não é (e nunca poderá a vir a ser) um texto: é uma evolução. É um deixar de ser para poder existir. É o que eu quero. E vou fazê-lo.
Eis aqui que te apresento o meu sono, (-Prazer em conhecer-lo), a minha vida dormida. Vivida? Não, vivida não o posso aplicar aqui. Sim, dormida será o mais correcto.
Resta-me uma dúvida a colocar nesta evolução: se durmo enquanto é suposto viver, que faço enquanto durmo? Simples: evoluo.
E se um dia destes, por algum motivo de força maior e desconhecida eu decidir viver, então não me pararás, ó tu que te julgas tanto mas não passas de miséria, porque a minha vontade é maior, e não serás tu, ó tu que te julgas dona de tudo, que me impedirás. Quando acordar acordo. Por enquanto quero dormir.
Ouve-me, agora, (sim, eu sou um desses malucos que acredita se podem ouvir palavras pelos olhos), não amanhã nem ontem, preciso que me oiça(s)m agora, ó tu que te julgas multiplicar e expandir, o(uve)çam-me agora: durmo, e durmo bem e descansado. Só quero descansar um pouco: qual o mal disso? Só quero deixar-me de olhos fechados: qual o mal disso? Só quero nadar no meu rio de sonhos: qual o mal em o fazer?
Amanhã (não sei) talvez acorde. Ontem não acordei, e hoje o sonambulismo consome-me. Só preciso de um motivo para acordar, e ainda não o encontrei. A dormir continuarei.
Um dia (amanhã, talvez, não o posso prever) virás. Estou certo de que virás e de que entrarás no meu quarto. Demasiado tarde: já não me encontro lá. Verás um rapazinho, ó Vida, semelhante (apenas semelhante) a mim. Mas não sou eu: eu encontro-me num outro lugar, algures num sonho, a encontrar-me, a evoluir.

Retrato De Um Sociopata


E ela corre, corre, corre... gosto de as ver correr.

É simples, claro que ninguém desconfia de um rapaz loiro de vinte anos. Claro que ninguém desconfia de um rapaz que se veste de fato. Claro que ninguém desconfia de um rapaz que saiba usar a sua Língua (materna e seis estrangeiras) apropriadamente. Isso torna uma abordagem fácil, é só dirigir-me a um bar (é tão simples) e fazer-me a uma delas. Tenho especial preferência por raparigas de olhos azuis. E os olhos delas... sabem aquela sensação, (esqueçam, é claro que não sabem) de prazer, de felicidade, de recompensa, por verem os seus belos olhos azuis tornarem-se aos poucos e poucos vidrados? Eu sei. Aprecio-a.

E depois elas correm, correm, correm... como se ainda tivessem salvação possivel. Mas já não têm. Eu sei o que faço, e sei que, a partir do momento em as abordo, elas já não podem sair da minha abordagem. Xeque-mate. Ganho eu.

Um bar.

-Boa noite...

Um tom de voz baixo e sedutor.

Um sorriso como resposta.

Um diálogo.

Um convite para vir até ao meu carro.

Um convite para tomar uns comprimidos giros que eu tenho.

Ela a tomar Droperidol como uma maluca e eu a ver.

Ela a desmaiar no banco da frente do meu carro.

Uma bola pequena na boca dela e fita gomada.

Uma corda nos seus pulsos.

Uma corda nos seus tornozelos.

Uma rapariga no meu porta-bagagens.

E eu a conduzir pela IC19 às dez da noite.

Uma música (I'm singin' in the rain) a tocar na rádio.

Eu a acompanhar a música.

A rapariga a começar a acordar e a debater-se.

Eu despreocupado, ninguém nos pode ouvir.

Um carro a estacionar á porta da minha casa de campo.

Eu a sair do carro e a abrir o porta-bagagens.

A rapariga a chorar.

Eu retiro a mordaça que improvisei.

Ela a gritar por socorro, por favor, por perdão.

Eu a não atender a nenhum dos pedidos dela.

Uma rapariga no meu ombro.

Eu a entrar em casa.

Uma rapariga a ser pousada numa cadeira de madeira.

Os pulsos da rapariga a serem amarrados à cadeira, sob a ameaça de uma faca de cozinha.

A rapariga a chorar, a chorar, a chorar.

E eu quero ver os seus olhos azuis.

Corto-lhe o lábio com a faca.

O sangue dela começa a correr.

Ela continua a chorar, a chorar, a chorar.

-Não te preocupes. Tudo acabará depressa.

Um abrir de olhos, e achei-me num monte confuso de metáforas e "clichés".

Ao Jordann, e a todos os que, ao lerem este texto, tenham sentido um arrepio na espinha.

domingo, 15 de novembro de 2009

Pensamentos

Querida SL,
Faz hoje uma semana que não te vejo. Vontade não me falta, mas falta-nos disponibilidade a ambos. Talvez seja por isso que os nossos mundos parecem diferentes. Mas não o são. O meu mundo alimenta-se da rotina, tal como o teu. Rotinas que por vezes parecem inconciliáveis.
O que me sobra então, SL, se não te posso ver sequer? Uma memória, um conjunto de gotas de água que se escapam nos meus dedos. Perdem-se, vão-se perdendo à medida que sofrem as consequências do tempo. Mas não se esquecem. Não. Esquecer nunca.
Mas o que me sobra então, senão deixar a minha mão dentro desse rio que corre? Pouco mais: uma imagem. Duas. Três. Imagens.
Sim, SL, hoje admito publicamente: fazes-me falta. Passei tanto tempo (e que quantidade de tempo!) a pensar que não, que era impossivel, que mais valia eu ficar quieto e deixar-te fugir com outro. Em vão, agora percebo, em vão.
Agora sento-me, e deixo-me sentado, observo a tinta das paredes a secar, a chuva a cair, a monotonia que é a vida, o cansaço de estar vivo reflectido no meu rosto, e levo-me, acho-me (ou perco-me, já disse milhares de vezes que já não tenho certezas de nada) perdido em rios metafóricos, constituidos por milhares de gotas de água que não é água. Questiono-me sobre a existência desses mesmos rios, por isso mergulho, banho-me, sim, vivo, só lá posso viver, nesses rios metafóricos (que metáfora tão real...) do meu mundo e do teu, porque na realidade, SL, no mundo real da realidade, não nos vemos há uma semana, e eu tenho saudades tuas.
Conclusão: um dia hei-de me afogar.
Um beijo do teu,
João
Post Scriptum -Um rio, uma metáfora tão verosímil...

sábado, 14 de novembro de 2009

Carta À Augusta: Um Inverno Em Lisboa


Augusta,

hoje apetece-me recordar.


Onde acolhes, Augusta, um desalojado? Em tua casa, pois lá está.
Sim, não é a melhor rua do mundo (a tua casa em si própria é já um mundo), com as ruas que nela se ramificam (nessas não ponho os pés), com os larápios que espreitam nos cantos dessas ruas, com o Inverno a cair sobre Lisboa.
Em Lisboa, Augusta, quando cai o Inverno em Lisboa (e cai mesmo, subitamente, deita-se e dorme uma soneca no meio do Chiado), tudo é Inverno também. É uma doença, o Inverno que contagia tudo e todos.
Hoje, por exemplo, passei uma tarde num café, Augusta. Já sabes como sou, dão-me um café, e eu ofereço uma tarde. É sempre assim. Nada mudou.
Mas continuando, estava a falar do café. Como sempre fiquei cá fora, de forma a poder ver as pessoas passar. Os Portugueses são curiosos. Tanto falam no seu dialecto, convencidos de que assim ninguém os compreende. E é verdade: os segredos que a nossa língua guarda... A doçura com que eles falam (ainda que venenosamente) não tem comparação possível.
Outra característica óbvia do Inverno em Lisboa, são as ruas. As ruas, sabes, metamorfoseiam-se a seu bel-prazer. Nota-se mais no Inverno: adquirem uma tonalidade semelhante à das ruas londrinas. Talvez seja dos estrangeiros. Talvez seja do Inverno. Não sei, já não percebo nada.
Percebo, no entanto, uma coisa: quando desce o Inverno em Lisboa, desce com ele uma tristeza. Ou se calhar não. Os enfeites de Natal iluminam as ruas portuguesas (com desejos londrinos) e conferem-lhes um sorriso.
Talvez seja isso o Inverno em Lisboa: uma tristeza alegre.
Talvez seja isso o Inverno em Lisboa: uma antítese.
Talvez não passe disso o Inverno em Lisboa: talvez eu imagine demais.
Mas hoje, Augusta, ao ver as ruas duvidosamente portuguesas a verterem lágrimas, ao ver pássaros voarem contra ventoínhas, iluminados por enfeites de Natal, pensei na falta que me fazes.
Sim, agora percebo, é isso o Inverno em Lisboa: a falta que me fazes.


Crónica dedicada (outra vez) à Sophia, que tanta falta me faz.

Novas Doenças

Já estou cansado ainda antes de chegar ao consultório. Pode ser que não tenha tantos pacientes como isso.
-Bom dia,
e a Teresa, a recepcionista está cumprimentada,
-Bom dia,
e um aceno de mão circular para cumrimentar todos os outros no consultório (porque é que não fiz o mesmo com a Teresa?)e a primeira tarefa do dia está feita. Falta a segunda: atender pacientes.
Sento-me na minha cadeira, olho para a poltrona vazia que se ergue à minha frente, e deixo-me levar pela divagação e pela monotonia das horas.
De repente, da mesma forma que uma criança rebenta uma bolha de sabão, um paciente rebenta a minha divagação com um abrir de porta.
-Bom dia,
(está a ficar uma frase padronizada),
-Bom dia
(aparentemente para ele também).
-Então o que o traz hoje aqui?
E ele muito quieto
-Acho que estou apaixonado.
E nós quietos.
-Então mas isso é motivo para vir a um psiquiatra?
-Bem, não sei mas
um relato pormenorizado da moça, um testemunho semelhante a uma doença em cujo o primeiro sintoma eu desisto de tentar compreender, palavras, palavras, palavras, e eu a pensar
("-Então mas isso é motivo para vir a um psiquiatra?")
mas não pergunto
(ética profissional)
embora me apeteça, não lhe pergunto, se calhar
(e é provável que calhe)
interno-o num manicómio e faço-lhe a vontade, olhem é isso mesmo, interno-o já aqui e agora. Mas primeiro uma pergunta:
-Então mas isso é motivo para vir a um psiquiatra?
-Bem, não sei, diga-me o senhor, é que
e lá vai ele outra vez, agora na sintomatologia amorosa (sintomas para uma doença que desconheço), que ele acorda e deita-se a pensar nela, que lhe envia uma carta todos os dias, que quando está com ela tudo é perfeito, que quando está com ela tem vontade de a abraçar e de não a largar nunca, que
-Chega, homem!
com ela tudo é tão bonito, que quando ela não responde às suas cartas ou mensagens ele delira de desespero, que
-Já chega, homem!
o mundo e a ideia que ela contruiu respectivamente para e dele são lindos, lindos, lindos, e eu farto, por isso um berro
-Já percebi, homem, cale-se!
de inveja, de desespero, porque "O pior pecado é não amar nunca", eu pecaminoso, eu triste, a pensar
("-Como é que este maluco pode ser escritor?",)
("-Então mas isso é motivo para vir a um psiquiatra?")
e a interná-lo.
Estas novas doenças, sabem como é, propagam-se com facilidade e rapidamente são uma pandemia.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Crónica Em Formato De Poema


Um Raio de Sol



Olho para cima e vejo nuvens; só nuvens.
Um céu, uma memória,
Mas não.
Nuvens, só nuvens.
Talvez o céu tenha necessidade de ficar nublado,
(eu nem me importo, gosto dele assim),
Talvez seja mais Humano do que imaginámos,
Talvez a chuva seja fruto de um sofrimento,
De uma memória recordada,
(com alegria ou triteza)
De uma paixão sofrida,
(com alegria ou tristeza)
E agora revivida,
(com alegria, sim, com alegria)
Na plenitude dos seus quinze anos
(alegres, agora percebo,
Alegres).
Apesar de tudo gosto de
(mim e de ti)
olhar para o céu.
Até mesmo quando está nublado.
Ele é exemplo de esforço, preserverança e coragem,
Porque, eventualmente,
No meio das suas nuvens,
Surgirá um raio de sol.

E é tudo o que ele necessita.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Diálogos A Um (Nº1)


Gostava de poder voltar atrás no tempo. Não é que não goste do actual (porque gosto, pricipalmente agora, que as coisas começam a mudar de rumo), mas preferia o passado. Por muito mau que tenha sido, preferia o passado.

Mas não é o meu passado inteiro: queria apenas moldar a minha vida desde Junho. Desde Junho que já não compreendo nada do que se passa. Apaixonei-me, e fui trocado por um neurocirugião. Estava feliz, e no entanto queria-me suicidar. Publiquei um romance, mas queria deixar de escrever. Mas o que é que se passa comigo?

Hoje não me esforço por embelezar o texto: quero que os leitores vejam como é uma crónica (como são as palavras que me dão sentido) em bruto.

Com tantos devaneios sobre o passado, obviamente que me preocupo com o futuro: será que irei continuar assim para sempre? Será que não?

Portanto, nos últimos cinco meses não me recordo de ter vivido: deixava-me para o passado, adiantava-me ao futuro, mas esquecia-me do essencial; do presente.

Pessoalmente, não gosto do presente. É chato, aborrecido e faltam-lhe condimentos (sim, acabei de dizer que faltavam condimentos ao presente).

Talvez tenha sido esse o meu erro: Ich "Carpe Diem" nicht...

D'or'avante (e sim, tenho consciência de que acabei de colocar uma palavra extremamente mal escrita numa crónica) tentarei viver no presente, no actual. Talvez seja esse o truque. Talvez tenha sido aí que falhei. Pois segundo um velho ditado chinês: "O que importa não é o destino, mas a viagem."

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Hoje Chove



EXPO (Lisboa), 7 de Novembro de 2009



Hoje chove, e eu não estou em casa. Encontro-me (ou perco-me) na EXPO, num café, a ver as pessoas passarem de guarda-chuva aberto, a ignorarem o facto de eu estar todo vestido de preto, à excepção de um livro e de uma luva (que empunho na mão direita) branca. Sou invisível. E gosto de o ser.

Tenho um milhão de crónicas já escritas na minha cabeça. Escrever uma, para mim, é uma experiência semelhante a abrir uma lata: sei o que está lá dentro, mas fico sempre surpreendido com o que vejo.

Mas não são as crónicas que me passam pela cabeça; muito pelo contrário. Questiono-me acerca de tudo. Ontem, numa conversa de tom jocoso, o Paulo (que é das pessoas mais interessantes que conheço) disse: "De onde vim? Quem sou eu? Para onde vou? São estas as perguntas pelas quais a vida de um Homem se rege... e há pessoas que se matam por isso." (se calhar não foram bem estas palavras, mas a ideia está explícita).

Pois, de facto há pessoas que se matam por isso,

(«Curioso...)

mas se elas querem errar,

(quase que podia jurar)

então deixem-nas aprender com os seus erros

(que aquela gaivota está a olhar para mim»).

Hoje chove, e eu não estou em casa. Encontro-me (ou perco-me) na EXPO, num café, a ver as pessoas passarem de guarda-chuva aberto (quase nem chove...), e a ignorarem-me. Afinal, que atenção se pode dar a um cronista em plena crise existencial? Duvido que alguma, e duvido que caso se possa dar, o cronista a aceitasse...eu sou assim, deixem-me aprender com os meus erros.

Acontece que pergunto à chuva sobre a chuva: De onde vens? (-Das nuvens), Quem és tu? (-A chuva), Para onde vais? (-Eventualmente voltarei a uma nuvem), mas ela não me diz o que queria ouvir. Gostaria de ouvir umas respostas um pouco mais pensadas, filosóficas... como eu as dou. Já que és, ó chuva, uma personificação da minha autoria, ao menos podias responder como eu gosto, não?

Parece que não.

Hoje chove, e eu não estou em casa. Encontro-me (ou perco-me) na EXPO, num café, a ver as pessoas passarem de guarda-chuva aberto e a ignorarem-me. Sou invisível, um presságio, e é melhor assim, uma pequena morte para que muitas mais vidas prevaleçam. É melhor assim. Tem de ser melhor assim.

Observo a chuva: De onde vens? ( -Dos teus olhos), Quem és tu? ( -Chama-me lágrima), Para onde vais? ( -Estou numa viagem longa, uma busca eterna até encontrar um obstáculo que me desfaça).

Só assim a compreendo.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Uma Cantiga de Amor

Caros leitores,

estou a estudar Literatura Portuguesa. Hoje tentarei escrever uma cantiga de amor (com refram) em galaico-português...veremos se sou bem sucessido.

Ca Deus quis que por mha senhor
Apaixonado fosse, sofredor,
De todalas coitas; assi sofri
Pois teu esposo de mi se ri,
E eu, de coita me quedo...
Minha'alma, sou surd'e cego!

Pero que Deus quis que assi
Me quedasse, coitado,
Surd'e cego; A Ti, Deus, a Ti,
Espanto'ra meus males e me quedo,
Dexo m'ir enforcado...
Minh'alma, sou surd'e cego!

Espant'and'ora meus males assi,
Me quedo de coita, sofredor.
Eis que (pra sempr') amarei mha senhor,
E quedo de coita, e assi quedo,
Vejo mha senhor um outr' amar,
Que me dexo, assi, matar...
Minh'alma, sou surd'e cego!



Não gostei. Está mal escrita: não tem uma estrutura fixa (nem silábica, nem estrófica), e está falsamente escrito em galaico-português (língua da qual não sou falante)...apesar de tudo, foi uma experiência, uma primeira experiência. Pode ser que da próxima seja melhor.

Um Suicida

EXPO (Lisboa), 7 de Novembro de 2009



Hoje apetece-me ser alguém. Gostava de poder ser Humana, para variar, abandonar o meu corpo e viver por um dia...só gostava de poder

(abrir e fechar as mãos)

sentir o vento,

(correr e saltar),

sentir a chuva a escorrer na minha cara,

(gritar, falar, fazer sons),

sentir que a minha vida nunca terminará.

Infelizmente, não me concederam esse dom: sou uma gaivota, e para nada vivo. Gostava de ser como aquele rapaz ali, que está vestido de preto (não sei porquê), e que se mistura no meio da multidão. Traz um livro na mão (branco, que contrasta bem com o seu cabelo curto e escuro), curioso, vou segui-lo. Pode ser que ele me leve a algum lado

(é sempre bom ir a algum lado).

Saltito por entre a multidão, mas a multidão cobre-me: afinal, quem sou eu para além de uma gaivota?

Abro as asas e encontro-me no ar. Perscruto a multidão na esperança de o voltar a encontrar, e eis que o vejo, num dos bancos de pedra, sentado, a ler. Desço.

Saltito novamente ao encontro dele. Ele enxota-me

(no quotidiano, ninguém quer a companhia de uma gaivota)

com a mão direita, coberta por uma luva branca apenas.

Curiosa figura, esta: todo vestido de preto à excepção do livro e da luva branca que usa apenas na mão direita. Lá terá os seus motivos, e eu não me importava de os conhecer. Posso ser só uma gaivota, mas sou curiosa.

Leio a capa do livro

(sim, sou um gaivota que sabe ler):

"Les Fleurs du Mal", de Charles Baudelaire.

Saltito

(mais uma vez)

pelas costas do rapaz, e olho para o que ele lê. O livro está aberto no capítulo "La Mort", e ele lê um poema chamado"La Fin de la Journée"

(sim, sou uma gaivota com cultura que sabe ler em francês).

Está um dia de sol

(ainda bem, odeio dias de chuva!),

e no entanto, está tão frio...o Inverno deve estar para vir, em breve, se é que já não chegou. Ele não precisa de uma porta para entrar: precisa de uma mão estendida. De uma mão aberta. De um pequeno empurrão.

E eis que o rapaz se levanta. Dirige-se à Torre Vasco da Gama

(não sei porquê, está fechada)

e fica cá em baixo, na base da Torre

(que aborrecimento!)

a olhar lá para cima.

Já vos disse onde moro? Não? Construí o meu ninho no topo da Torre, mesmo lá em cima, por cima da parte aberta aos visitantes, de forma a poder ver tudo o que se passa na EXPO. Nos Olivais. Em Moscavide. Em Lisboa. Nada me escapa.

O rapaz continua a olhar, e não mexe um músculo que seja. Fosse ele quem fosse, perdi todo o meu interesse. O meu único interesse agora é voltar para o meu ninho.

E é isso que faço, abro as asas e subo. Chego ao meu ninho, e olho em volta. Tudo está como costuma estar, à excepção de um pormenor: o rapaz não está lá, na base da Torre. Olho para a parte aberta aos visitantes. Está lá o rapaz. Como é que ele chegou lá tão rapidamente? Tenciono descobri-lo.

E então, doce, triste, e lentamente, como numa longa valsa dançada por dois apaixonados,

o rapaz tirou uma arma do bolso,

(e eu descia, lentamente, descia),

pôs a arma na boca,

(e eu descia, tristemente, descia),

premiu o gatilho,

(e eu descia, não sei porquê mas, descia),

um estampido, um ruido de morte,

(eu descia, com ouvidos que não tenho, descia),

e uma bala, a atravessar a cabeça do rapaz, a dirigir-se a mim,

(e eu descia, tarde demais, descia),

o rapaz achou-se caído numa poça do seu sangue,

(e eu descia, eternamente, descia),

e um livro de poemas, que devido ao sangue que agora o cobria, nunca mais voltaria a ser lido.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Comentário

Querida SL,
Vamos trocar de lugar: hoje vais ser tu a cronista, e eu o comentador. Começo:
Gostei. Gostei do que li por vários motivos:
Em primeiro lugar, foi engraçado verificar a subtileza das tuas palavras. Hoje aprendi na aula de Literatura, que os poemas mais bonitos são também os mais simples e transparentes (Camões, o Génio Literário Português, era o mais transparente possível); foi o que fizeste. As palavras subtis, simples, leves, voavam ao som das tuas mãos (quase ouvia o "toc, toc" no teu teclado) e pousavam em mim, não sei bem onde, mas sei que pousavam em mim.
De vez em quando usavas frases complexas (oh!, a complexidade, a doce e perfumada complexidade...), mas apenas gramaticalmente. Significados simples e frases complexas: haverá melhor combinação? Se houver, desconheço-a.
Depois, pelo seu significado. Ousaste (como te admiro, quem me dera ter tido coragem para ousar eu também!), saltaste, e voaste bem alto.
Penso que conheces o significado que as tuas palavras tiveram para mim, e se não conheceres, estou certo que saberás quando nos virmos.
Finalmente...
não o direi aqui. E não o direi por um motivo muito simples: isto é um blog, e toda a gente o pode ler. Enviar-te-ei um mail de seguida, mas de qualquer forma falaremos melhor quando nos virmos.
Por agora mando-te um beijo, na esperança de que me envies mais dos tuas magníficas composições artísticas,
João de Matos
P.S.-Sabes que gosto de fazer P.S.'s.

SL

Não sei quem és, e não interessa o que me dizes:

quero amar-te.

domingo, 8 de novembro de 2009

Inverno

Chegou o Inverno: chove e eu tenho os pés frios.
Não tenho opinião sobre o Inverno (eu que opino tanto, e que duvido da existência do verbo opinar), senão que é a minha estação preferida do ano:
é tão bom ir à praia no Inverno,
(chove, o céu coberto de nuvens, e eu e tu na areia molhada)
ver o mar zangado do Inverno,
(ele a rebentar os meus problemas)
olhar-me ao espelho no Inverno,
(uma cara coberta de chuva)
ver-te no Inverno,
(tanto tempo sem te ver, e ainda me lembro da chuva a pingar das tuas pestanas)
e, sobretudo, gostar do Inverno,
(sei que chegou porque chove e eu tenho os pés frios)
desta minha estação favorita
(em que chove e eu fico com os pés frios)
em que me lembro de ti, de mim, da praia e do mar, de tudo, de tudo, da lua e das estrelas, de tudo, do sol e dos planetas, de tudo, de tudo o que nos juntava.

Não preciso de um calendário para saber que é Inverno: chove e tenho os pés frios; é quanto me basta.
Também não preciso de um calendário para saber que é domingo
(estou num café da EXPO, chove e tenho os pés frios)
e que estás em casa com o teu marido (eu também gostava de estar em casa com a minha mulher), a rir, alegre, contente, uma alegria cancerígena que se propaga e que eu tento evitar a todo o custo, porque te faz mal,
-Ou não
porque te destroi,
-Ou não
porque te mata,
-Ou não
porque te tira a vontade de escrever,
-Ou não
porque não te quer bem,
-Ou não
garantias que eu, no meu lugar de cronista,
(não de neurocirugião, não de médico bem sucedido)
não te posso dar.
A única garantia que te posso dar é que estamos num Domingo de Inverno: estou num café da EXPO, chove e eu tenho os pés frios.

Quero Morrer Embrulhado Num Livro

Se morresse hoje, gostava que me embrulhassem num livro
(de sonetos de Baudelaire)
gostava de definhar nas páginas
(de um romance de José Eduardo Agualusa)
de um livro
(de crónicas de António Lobo Antunes)
de que eu gostasse, que me tivesse feito
(contos de Edgar Allan Poe)
chorar ou rir, amar ou esquecer, que me tenha feito algo,
(bom ou mau)
que me tenha feito falar, que me tenha feito aprender,
(Literatura ou Comercial)
tanto me faz,
eu
(só)
queria
(quero)
ficar
(morrer)
embrulhado
()
num
(livro)
.

Ainda Te Amo




Ontem disse que te escreveria uma crónica. Não falto à minha palavra: aí vai ela.

Não sei que dizer sobre ti.
Disseste-me (erradamente) que não me conhecias, o que é mentira
(conheces-me melhor que eu)
visto tudo, tudo, tudo.
Se eu não te amasse, provavelmente não te escreveria (mais uma vez digo que não sei se te amo visto o facto de nunca ter amado ninguém) mas toda a gente me contraria,
(pelo menos não como te amo a ti)
e me diz que eu te amo, que eu te amo, que eu te amo,
(se é que é possivel amar em niveis diferentes)
e eu que não, que não, que não,
(eu próprio não acredito nisso)
e depois lembram-me de tudo, de tudo, de tudo.
Lembram-me do teu sorriso,
(a coisa mais bela do mundo!)
lembram-me das tuas palavras,
(que confortáveis e quentinhas que elas são...)
e eu lembro-os que tu fugiste com um neurocirugião
(...!)
e eles calados
(silenciem-se as vozes que desconhecem a minha dor)
e eu recordo-os que tu fugiste com um neurocirugião e que eu fiquei por lá,
(ainda não achei a estrada de volta a Lisboa...)
pelo Alentejo, por Mértola, por S. Miguel do Pinheiro,
(ainda não achei a estrada de volta a Lisboa...)
a lembrar-me e a lembrá-los,
a ver e a sofrer com tudo, com tudo, com tudo.

Apesar de tudo, não consigo desamar-te.
Agora, por enquanto, ainda te amo mas tento
(acho que contrariamente à minha vontade)
desamar-te, pelo medo,
(-Desculpa-me,)
pelo medo que voltes a fugir
(um dia serei)
com um
(outro, melhor)
neurocirugião, e me deixes a mim,
(cronista, conhecido como Ser Humano)
sozinho, a arcar com tudo, com tudo, com tudo,
sem encontrar o raio da estrada de volta para Lisboa.
Fotografias por: Tiago Sousa.

Só Para Te Dizer (Em Letras Bem Grandes) Que Me Salvaste A Vida

Talvez

Pode ser que um dia destes
me encha de coragem,
e imite o Thomaz Cabreira Júnior.
Oh!, génios da Literatura, assistam ao meu sofrimento e riam-se de mim na minha cara se necessário, pois jamais vos conseguirei alcançar!...

Para a Família

Don't worry: I'll be happy...






Eventually.

Carta de Despedida Nº2

Se morrer, morro feliz.
Obrigado, Sophia.
Agora, deixem-me morrer.

sábado, 7 de novembro de 2009

Carta Aberta à SL

Cara SL,


Tive de voltar a ler, porque não acreditei à primeira.
"Será verdade?"
Voltei a ler,
(pode ser que acredite à segunda):
"Será verdade?"
Só quando li à terceira,
("Será verdade?")
é que percebi que era mesmo verdade.

Apenas por três vezes as lágrimas me correram dos olhos ao ler um livro( se não contar com alguns sonetos de Charles Baudelaire): ao ler "O Pássaro de Fogo" (Nicky Singer), ao ler "Kafka à Beira-Mar" (Haruki Murakami), e ao ler "O Vendedor de Passados (José Eduardo Agualusa), e todos eles me fizeram chorar pelas mais diversas razões (identificáveis).

Agora dou por mim perante uma novidade: chorar (e desconheço as causas que me levaram a isso) por causa de um comentário. E fizeste-me pensar seriamente naquilo que sou (ou pensava ser)... se calhar foi por isso que chorei, não sei, mas não é isso que interessa. O que interessa é que me fizeste pensar.

Fazes ideia do grupo de pessoas que me fazem pensar? Não? Eu dou-te uma ideia: conto-as pelos dedos das mãos (vá, juntemos a elas os pés também), e é só isto.

Passei o dia inteiro a perguntar às pessoas se sabiam quem tu eras, na esperança de me encontrar contigo ,
(por acaso)
mas é tão simples
(até sei quem és)
porque já me disseste quem eras,
(o teu nome é SL)
e eu não te encontro.

Só te quero dar os parabéns, SL, porque me fizeste ter um dia de reflexão sobre a minha pessoa, um dia de aprendizagem sobre a minha Filosofia, e sobretudo um dia de reflexão sobre a única coisa (eu que nem gosto de dizer "coisa") que te quero dizer:

-Chamas-me Cronista, e agradeço-te por tal (duvido que me possam fazer maior elogio), mas se eu sou Cronista, então quem és Tu?


E tudo isto porque acho que fizeste uma interpretação tão
(e tanto quanto te foi possivel, perdoa-me se interpretei mal as tuas palavras)
tua...
E, ainda assim, viste-me lá.
Obrigado.

Um beijo,
João de Matos



P.S. -Desculpa a eventual desordem em que esta carta te chegar, mas não me dei (nem me vou dar) ao trabalho de a reler. Quero que a leias crua.

A Uma Desconhecida

Não sei quem és, mas fizeste-me chorar.

E, pela primeira vez, não foi de tristeza...

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Deixa-me Sorrir

Tenho saudades tuas, Rita, tenho saudades tuas.
Porque estivémos juntos (e estarmos juntos significa eu seguir-te cegamente desde a adolescência) desde que me lembro, desde de que sei quem sou (que não sei), desde que eu, um rapazito que se isolava nos intervalos do liceu e se sentava nos bancos, longe do pátio do Camões (onde tu e os teus amigos estavam), me decidi a falar contigo (a tentar fazê-lo, pelo menos), eu que nunca o tinha feito, de repente
-Um dia destes queres vir a algum lado comigo?
e tu sorrias, sorrias, sorrias, não me respondeste
(pelo menos não foi um não)
e eu fiquei feliz.
O que me entristeceu foi que, passados cinco minutos, o Pedro na tua direcção a perguntar
-Queres sair comigo um dia destes?
e tu
-Sim, está bem
e eu com vontade de lhe bater, de te bater, ao Pedro sim e a mim nem uma resposta, mas que raio Rita, isso é coisa que se faça, ou se calhar...
ela esqueceu-se. Foi isso devem tê-la chamado, ou alguma coisa assim do género, chamaram-na, eu não ouvi, e ela esqueceu-se de me responder.

Já que me sento ao teu lado em geografia, vou por a minha teoria em prática: a tua mão está lá (disso eu tenho a certeza) em cima da mesa, e a minha, a deslizar em direcção à tua, como quem não pergunta nada e passa directo à acção (era isso que tu querias que o Pedro fizesse no teu encontro, eu sei porque o disseste em voz alta e eu estava lá, estava lá mas tu não me vias), a minha mão em cima da tua, a tua mão a fugir, e tu a sorrir, a sorrir, a sorrir.
No outro dia vi-te na rua, mulher feita de homem pelo braço, e eu não me controlei (impulsos reprimidos não se podem controlar, acho eu), simplesmente cheguei-me ao pé de ti, e
-Lembras-te de mim?
recebi aquela resposta que era a origem do meu amor por ti
-Não
e eu não me controlei
(penso que é impossível de se controlar impulsos reprimidos durante quinze anos)
-Um dia destes queres casar-te comigo?
(porque pensava que o casar-se era o ir a algum lado dos adultos, perdão pelo meu erro)
e não me bastou ter levado uma sova do Pedro, como tive de te ver a ir embora
(mulher feita de Pedro pelo braço)
a sorrir, a sorrir, a sorrir.

À Sophia, que nunca me desapontou.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O Divórcio

Apesar do que deixo transparecer às pessoas que não me conhecem, gosto de tentar (ou até quiçá) perceber o que se passa ao pé de mim. Mas penso que há certas coisas que me transcedem; uma delas é o divórcio.
Trata-se de um assunto sobre o qual eu (que tenho apenas 15 anos e tanta experiência de vida como uma mosca da fruta), ignorante, julgo não conseguir perceber. A minha dúvida é a dúvida de sempre: porque é que eu me sinto assim?
Pode parecer egoísta, eu sei, afinal são os meus pais que se divorciaram, mas obviamente que tal divórcio também se reflecte em mim, certo? Obviamente que eu também tenho direito a sentir-me mal, certo?
Mas sabem, agora digo-vos em confidência (o que é uma impossibilidade que seria interessante de explorar numa outra crónica): o pior de tudo é sentirem-se únicos. Eu, que espero a singularidade como quem espera um casamento feliz, sinto-me mal por não haver mais ninguém como eu. Não faz sentido, pois não? Bem me pareceu. Gosto de falar convosco, vocês compreendem-me.
Acontece que agora, já nem me posso sentir mal sequer! É verdade: no outro dia, numa conversa com uns colegas de turma, vim a saber que mais de metade deles, tal como eu, são filhos de pais divorciados. Isto levanta-me dúvidas interessantes: vamos supor que todas as turmas da escola são como a minha. Sendo assim, mais de metade dos meus colegas de escola têm pais divorciados. E eu, no meio disto tudo, já não sou único coisíssima nenhuma! Bolas!
Bem, se vamos falar dos meus colegas de escola, aproveito para dizer: cinco deles têm gripe A. Têm de andar pela escola de máscara pela boca, com toda a gente a apontar o dedo, a comentar, a (e é triste de se dizer) afastarem-se deles, de modo que eles criam um corredor de alunos por onde passam (quando tenho pressa para saír da escola costumo ir atrás deles, qual TGV humano).
Novamente digo: tenho 15 anos, e não tenho idade para compreender o divórcio. Para mim, o divórcio é como a gripe A: uma doença. Só que para o divórcio aínda não há vacina.
E é por isto que fico chocado: cinco colegas da minha escola (cinco!) têm gripe A, e toda a gente foge deles a sete pés, obrigam-nos a usar máscaras, apontam-lhes o dedo e comentam; mais de metade (mais de metade, mais de metade!) da escola sofre de pais divorciados, mas ninguém foge deles, não têm de usar máscaras, ninguém lhes aponta o dedo nem nem ninguém comenta.
Talvez um dia, quando inventarem a vacina para o divórcio, isto mude. Talvez quando apareça uma vacina para isso, as pessoas percebam que o divórcio não é tão bom como isso. Talvez um dia andemos todos a fugir uns dos outros como medo de apanhar um leque de doenças.
Amanhã vou para a escola com um saco de seringas na mão, distribuir vacinas contra o divórcio. Mas pergunto: será que é possível vacinar alguém que não quer ser curado?





Crónica dedicada à Diana, ao Tiago, e à Leonor (que conheço somente através um comentário a uma das minhas obras), por seguirem tão atentamente estas crónicas.
Eis que eu surjo aqui.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Pedido de Desculpa aos Devoradores de Vírgulas

Hoje não me alongo: tenho pouco tempo.

Quero apenas pedir desculpa aos meus Devoradores de Vírgulas, mas nos próximos tempos terei algumas dificulades para publicar novas crónicas. Afinal, os romances não se escrevem sozinhos...