Não sou parvo ao ponto de te dizer que não estou bem, que choro todos os dias, não sou parvo para o admitir à tua frente. Mas a verdade, sabes, é que as recordações (as boas que tenho de ti, pelo menos) não se esquecem com facilidade. E as dores demoram a passar.
O que me custou não foi teres saído de casa; que tu ías sair de casa, isso já eu sabia. E quem sou eu para te impedir? O que me custa é ver-te todos os dias no trabalho, e pensar que já estivémos casados. O que me custa é pensar no Tiago, de mão na tua mão, de mão no teu cabelo, de lábios nos teus lábios, de lábios no teu pescoço, de... não penso mais, não penso mais, sequer, com medo de fazer alguma coisa que não quero (ou que quero mas que fica mal a uma pessoa fazer).
E no meio disto tudo, durmo numa cama de casal, faço jantar para dois, e acendo duas velas, na esperança de que, a qualquer segundo, tu abandones o Tiago e venhas jantar comigo. Tenta despachar-te, por favor, fiz o jantar há pouco tempo, não tarda nada arrefece e a comida fria não tem piada nenhuma.
Mas deve ser melhor assim, visto tudo: a tua mãe a perguntar-te se eu era o melhor que tu arranjavas, porque parecia que tinha vindo agora mesmo de uma guerra; tu que me pedias constantemente que não fizesse o que queria; eu que respondia, marioneta, aos teus pedidos.
Sim, talvez não fosse de um marido que tu precisavas: talvez precisasses de uma marioneta. E agora cortaram-me os fios, e eu encontro-me desorientado. Mas não te preocupes: eventualmente esquecer-te-ei. Não hoje, não amanhã, não depois. Eventualmente.
Mas o que me custa mais, sabes, é trabalhar contigo e fingir que nunca fomos casados. O que me custa mais é esperar, sozinho, pela tua companhia, se alguma vez te decidires a deixar o Tiago, então volta, sabes que tens aqui, apesar de frio, um jantar preparado para dois.
A vida traduz-se em letras
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
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