A vida traduz-se em letras

sábado, 14 de novembro de 2009

Carta À Augusta: Um Inverno Em Lisboa


Augusta,

hoje apetece-me recordar.


Onde acolhes, Augusta, um desalojado? Em tua casa, pois lá está.
Sim, não é a melhor rua do mundo (a tua casa em si própria é já um mundo), com as ruas que nela se ramificam (nessas não ponho os pés), com os larápios que espreitam nos cantos dessas ruas, com o Inverno a cair sobre Lisboa.
Em Lisboa, Augusta, quando cai o Inverno em Lisboa (e cai mesmo, subitamente, deita-se e dorme uma soneca no meio do Chiado), tudo é Inverno também. É uma doença, o Inverno que contagia tudo e todos.
Hoje, por exemplo, passei uma tarde num café, Augusta. Já sabes como sou, dão-me um café, e eu ofereço uma tarde. É sempre assim. Nada mudou.
Mas continuando, estava a falar do café. Como sempre fiquei cá fora, de forma a poder ver as pessoas passar. Os Portugueses são curiosos. Tanto falam no seu dialecto, convencidos de que assim ninguém os compreende. E é verdade: os segredos que a nossa língua guarda... A doçura com que eles falam (ainda que venenosamente) não tem comparação possível.
Outra característica óbvia do Inverno em Lisboa, são as ruas. As ruas, sabes, metamorfoseiam-se a seu bel-prazer. Nota-se mais no Inverno: adquirem uma tonalidade semelhante à das ruas londrinas. Talvez seja dos estrangeiros. Talvez seja do Inverno. Não sei, já não percebo nada.
Percebo, no entanto, uma coisa: quando desce o Inverno em Lisboa, desce com ele uma tristeza. Ou se calhar não. Os enfeites de Natal iluminam as ruas portuguesas (com desejos londrinos) e conferem-lhes um sorriso.
Talvez seja isso o Inverno em Lisboa: uma tristeza alegre.
Talvez seja isso o Inverno em Lisboa: uma antítese.
Talvez não passe disso o Inverno em Lisboa: talvez eu imagine demais.
Mas hoje, Augusta, ao ver as ruas duvidosamente portuguesas a verterem lágrimas, ao ver pássaros voarem contra ventoínhas, iluminados por enfeites de Natal, pensei na falta que me fazes.
Sim, agora percebo, é isso o Inverno em Lisboa: a falta que me fazes.


Crónica dedicada (outra vez) à Sophia, que tanta falta me faz.

2 comentários:

  1. Ora aqui estão duas das melhores referências: A Baixa e o Inverno.

    Não é fácil explicar a relação mas farei uma tentativa (mesmo que em vão):
    A Baixa representa esta cidade. Lisboa. E, posso garantir, não há viagem, não há cidade que iguale Lisboa. É nossa e é tão característica que não acredito que possamos encontrar nas mais pequenas situações, noutro qualquer local do mundo, o que podemos encontrar na nossa Lisboa, nas ruas, no fado e nas próprias pessoas. É isso a Baixa.
    E o Inverno penso que não é necessário sequer definir. Porque também não sei se é possível fazê-lo sendo realmente fiel ao que este representa. Porque não há como o Inverno, não há como as tardes frias passadas a beber uma bebida quentinha, não há como ouvir a chuva a bater na janela, não há como um passeio à beira rio com a brisa fresca (muito fresca) contra a cara.
    E os dois juntos: Lisboa e Inverno, são algo perfeitamente belo. São a conjugação ideal, quais almas gémeas.

    Este texto fez-me feliz, apenas por poder imaginar Lisboa e o Inverno juntos, sempre juntos. Obrigada.

    Um beijo,
    SL

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  2. Eu acho acho sempre que o Inverno cai triste em Lisboa. As luzes são um enfeite que esconde a miséria dessas ruas, nada têem de alegres.
    Além disso, gastam dinheiro à autarquia (que segundo ouvi dizer está perfeitamente individada) e celebram um acontecimento que não é vivido de forma consciente e plena por todos.

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