A vida traduz-se em letras

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O Divórcio

Apesar do que deixo transparecer às pessoas que não me conhecem, gosto de tentar (ou até quiçá) perceber o que se passa ao pé de mim. Mas penso que há certas coisas que me transcedem; uma delas é o divórcio.
Trata-se de um assunto sobre o qual eu (que tenho apenas 15 anos e tanta experiência de vida como uma mosca da fruta), ignorante, julgo não conseguir perceber. A minha dúvida é a dúvida de sempre: porque é que eu me sinto assim?
Pode parecer egoísta, eu sei, afinal são os meus pais que se divorciaram, mas obviamente que tal divórcio também se reflecte em mim, certo? Obviamente que eu também tenho direito a sentir-me mal, certo?
Mas sabem, agora digo-vos em confidência (o que é uma impossibilidade que seria interessante de explorar numa outra crónica): o pior de tudo é sentirem-se únicos. Eu, que espero a singularidade como quem espera um casamento feliz, sinto-me mal por não haver mais ninguém como eu. Não faz sentido, pois não? Bem me pareceu. Gosto de falar convosco, vocês compreendem-me.
Acontece que agora, já nem me posso sentir mal sequer! É verdade: no outro dia, numa conversa com uns colegas de turma, vim a saber que mais de metade deles, tal como eu, são filhos de pais divorciados. Isto levanta-me dúvidas interessantes: vamos supor que todas as turmas da escola são como a minha. Sendo assim, mais de metade dos meus colegas de escola têm pais divorciados. E eu, no meio disto tudo, já não sou único coisíssima nenhuma! Bolas!
Bem, se vamos falar dos meus colegas de escola, aproveito para dizer: cinco deles têm gripe A. Têm de andar pela escola de máscara pela boca, com toda a gente a apontar o dedo, a comentar, a (e é triste de se dizer) afastarem-se deles, de modo que eles criam um corredor de alunos por onde passam (quando tenho pressa para saír da escola costumo ir atrás deles, qual TGV humano).
Novamente digo: tenho 15 anos, e não tenho idade para compreender o divórcio. Para mim, o divórcio é como a gripe A: uma doença. Só que para o divórcio aínda não há vacina.
E é por isto que fico chocado: cinco colegas da minha escola (cinco!) têm gripe A, e toda a gente foge deles a sete pés, obrigam-nos a usar máscaras, apontam-lhes o dedo e comentam; mais de metade (mais de metade, mais de metade!) da escola sofre de pais divorciados, mas ninguém foge deles, não têm de usar máscaras, ninguém lhes aponta o dedo nem nem ninguém comenta.
Talvez um dia, quando inventarem a vacina para o divórcio, isto mude. Talvez quando apareça uma vacina para isso, as pessoas percebam que o divórcio não é tão bom como isso. Talvez um dia andemos todos a fugir uns dos outros como medo de apanhar um leque de doenças.
Amanhã vou para a escola com um saco de seringas na mão, distribuir vacinas contra o divórcio. Mas pergunto: será que é possível vacinar alguém que não quer ser curado?





Crónica dedicada à Diana, ao Tiago, e à Leonor (que conheço somente através um comentário a uma das minhas obras), por seguirem tão atentamente estas crónicas.
Eis que eu surjo aqui.

5 comentários:

  1. João (já que não pode ser Johnny Boy:P),

    O divórcio é uma coisa de familia, o que é irónico, mas é. Não é contagioso.
    Os meus divorciaram-se há coisa de quatro anos. Muita coisa mudou, muda e há-de mudar. Parecendo que não, parecendo dificil e impossivel, é uma dor que (apesar de não passar) se instala e vai adormecendo aos poucos.
    Vai ficando mais pequena.
    Tenho de discordar quando disses que o divórcio é uma doença. O casamento é uma doença ou, pior ainda, um contrato imposto pela sociedade.
    É apenas um contrato, onde ganhas um anel foleiro, partilhas contas (dinherio, dinheiro) e partilhas objectos (coisas, sempre coisas). Para mim é um acto materialista. Não digo que haja amor, ou outro sentimento. Há de certeza, mas o acto em si é materialista. O que muda no sentimento? Porque o tens de provar?
    Acho que a verdadeira doença está na sociedade, no materialismo que existe.
    Isso é doentio e, pessoalmente, não aguento muito mais tempo.
    Quando disse isto na aula de Francês (estamos a falar de familias) ia sendo apedrejada.
    Esta falta de respeito, esta falta de mente aberta, isto sim é uma doença. Não sou católica, mas aprecio bastante esta frase " Quem nunca pecou que atire a primeira pedra". É, não é? Pois. Hoje é qualquer coisa do género "Eh pá, atirem-nas!"
    Isto sim é uma doença.

    Beijo

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  2. Ena, ena! Uma crónica dedicada (não só) a mim.

    Sim, o divórcio é um touchy subject. Também sofro do síndrome de pais divorciados e, no meu caso, compreendo a razão da doença.
    Também eu espero ou sonho com um casamento pleno e feliz mas olhar à nossa volta é, no mínimo, desencorajante.
    Talvez o casamento seja um dom só para alguns. Talvez o divórcio seja culpa de outros tantos por não se esforçarem, talvez seja uma consequência da vida pós-moderna ou ainda acontece simplesmente porque não há fórmulas mágicas como lidar com as pessoas e muitas perdem-se nesse caminho.
    Podemos escolher pôr a culpa em quase tudo. Eu, por mim, não tenho certezas. Só quando chegarmos lá é que decobriremos o desafio que é.

    O divórcio é como a gripe A?! Juro que tentei seguir o raciocínio mas não me convenceu.

    Uma dica para acabar... já experimentas-te justificar o texto? Fica mais alinhadinho. É o meu perfeccionismo a falar mais alto, não ligues!

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  3. O Divórcio não é mais do que uma consequência da sociedade em que vivemos.
    Uma sociedade em que "Ah, vamos casar pela Igreja porque é tãao bonita, já pensaste como ficará linda repleta de flores?" Onde numa cerimónia de casamento se admite tudo dentro de uma Igreja. Onde os noivos se casam numa Igreja onde nunca oraram, onde nunca foram à Eucaristia só porque "é realmente majestosa". Digo isto porque ainda há pouco tempo fui a um casamento do género. Não foi o primeiro nem será o último com certeza. E ainda há menos tempo, em conversa com um amigo, descobri, nem mais nem menos, que ele é baptizado, que os pais dele (que por coincidência tão irónica são divorciados) se casaram pela Igreja. No entanto a única altura em que este meu amigo entrou numa Igreja foi em visitas de estudo e por obrigação pois caso contrário não poderia realizar um trabalho sobre o gótico ou o barroco em Portugal. É o primeiro a afirmar-se ateu. E muito calmamente disse-me "Ora, os meus pais casaram pela Igreja porque senão ficariam muito mal vistos na família mas não são católicos, achas?"

    Atenção, não estou a afirmar que este foi o problema dos teus pais. É óbvio que este foi apenas um exemplo idiota que, no entanto, me revolta. É perfeitamente possível que haja outros motivos para o divórcio. E não são os filhos que podem controlá-lo. A esses só lhes cabe sofrer. Não falo por experiência própria. Não posso, de facto, compreender-te tão bem. Cabe-me dizer-te que este é só mais um dos problemas da nossa querida sociedade.
    Mas, a meu ver, o casamento não é um erro, nunca poderá ser, pelo simples facto de ser um dom de Deus e isso é irrefutável.

    Caro cronista, resta-me dizer-te que é algo que terás de viver. O que não é "esquecível" tem certamente de ser "vivível". E como dizes, e muito bem sabemos, mais de metade dos teus colegas sofrem do mesmo mal (e não me refiro à gripe A). Peço desculpa por me alongar tanto nos comentários mas isto é o que os teus belíssimos textos suscitam em mim.

    Um beijo.
    SL

    PS - "Acho que foi a primeira vez que escrevi sobre um assunto sério". Achas? Olha que o que li neste blog já me surpreendeu mais do que esperava (e não esperava pouco). O amor e a escrita e sobretudo o amor que tens à escrita é sério :)

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  4. Agora vai o profissional (ou não!) falar:
    Já me deparei com diversos casos de divórcio, tendo assistido ao seu desenrolar dentro e fora das salas dos tribunais. Confesso, são situações que às vezes me repugnam, já que a vida das pessoas e as próprias pessoas são mexidas e remexidas como peças num tabuleiro de xadrez, à procura do "xeque mate" que aniquile a parte contrária. E, no meio deste jogo, há mesquinhice, ganância, futilidade e má criação.
    Mas há sobretudo sofrimento.
    É curioso falares sobre o divórcio como uma doença, embora não possa estar de acordo contigo.
    Até porque o divórcio não é encarado como uma doença, mas sim como um remédio (sim, a nossa doutrina jurídica fala mesmo em "divórcio-remédio" e "divórcio-constatação da ruptura").
    E realmente é isto: o divórcio é um remédio para resolver uma situação em que nada mais há entre os cônjuges. E, deixa-me que te diga: é o melhor a fazer na grande maioria dos casos.

    Agora fala o homem (humano):

    Não tenho, felizmente, a experiência de pais separados ou divorciados (os meus estão casados há quase 35 anos). E aspiro a poder seguir o exemplo deles. Porquê apesar de todas as dificuldades que passaram ao longo da vida de casado, há algo que sempre os levou a vencer os obstáculos: O amor, bem como a convicção de que a dois se constroi um futuro melhor. É isso que espero poder sentir um dia. É isso que espero que todos possamos sentir!

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