A vida traduz-se em letras

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Relato de um Crime


Acordei, e ela não estava ao meu lado. Tinha vontade de a matar, já desde ontem à noite

-Não, Tiago, não, não me proíbas de ir, por favor, eu juro que chego cedo, a sério, juro mesmo

mas que mania, mas que figuras

-Mariana, vem cá imediatamente

se isto passa pela cabeça de alguém, mas que modos, mas que maneiras, a querer saír às dez da noite, mas que figuras, Mariana, mas que modos,

-Adeus Tiago

e eu impávido, agora sereno, a ver a porta fechar-se, a ver a tinta da parede a secar, sentei-me e comecei a resolver as palavras cruzadas do jornal de ontem

-Porra Mariana, mas porque raio é que não compraste a porcaria do jornal?!

e voltei a olhar para a porta

(é bom para ela que chegue cedo, senão)

mas ela não se abriu, continuou fechada, o trinco não rodou e não entrou em minha casa nenhuma rapariga de cabelos castanhos como os teus, de olhos verdes como os teus, de mãos de fada como as tuas, não entrou, por isso debrucei-me outra vez nas palavras cruzadas,

(mas que raio Mariana, onde é que tu te foste meter às dez da noite)

na esperança de me acalmar, e a cada segundo, Mariana, a cada segundo que passava mais eu pensava

(onde estás Mariana, onde estás)

e mais eu andava à roda,

porque só consigo pensar decentemente se andar à roda,

a pensar

(onde é que tu te meteste às dez da noite Mariana, quando voltares)

na cozinha, agora, na gaveta de cima do armário da cozinha, na gaveta das facas, é onde a minha mão se encontra e procura a mais afiada que conseguir apanhar

(eu não queria Mariana, porque é que me obrigas a isto)

ponho-a debaixo da minha almofada e vou dormir.


Quando acordo, ela aínda não chegou.

Quando tomo o pequeno-almoço, ela aínda não chegou.


-Vá directo ao essencial, Tiago, vá directo ao essencial

-Espere só um minuto, estou aqui a tentar explicar-me, espere só um minuto


Quando tomo banho, ela aínda não chegou.

Quando me visto ela aínda não chegou.

Guardo a faca no bolso, e ela aínda não chegou.


E nisto o trinco da porta roda, já não está fechada, abre-se lentamente e eu escondo-me


-Porque é que se escondeu, Tiago, porque é que

-Espere, não me interrompa que eu não o interrompo


de faca na mão, ansiando por ela, que ela chegasse ao pé de mim, mas tente compreender, eu não a queria magoar, juro que não queria, a faca caíu e aterrou, foi coincidência, na garganta dela, cortou-lhe a garganta e foi isso, não fiz de propósito


-As provas dizem que o senhor a esfaqueou trinta e sete vezes antes de a violar


sim, mas é mentira, eu não fiz nada disso, juro que nunca fiz nada disso


-As provas dizem que o senhor a esfaqueou trinta e sete vezes antes de a violar


pois, então a faca deve ter caído mais uma ou duas vezes, mas não foi de propósito, isso não, isso nunca, eu nunca, acredite em mim senhor juíz, eu nunca.


Mas eles não acreditaram em mim, não percebo porquê, até era uma mentira convincente, não era, até parecia real, não parecia, quer dizer, estás a rir-te do quê, tu fizeste o quê, meu Deus, isso é horrível, não sei como consegues, a sério que não sei como consegues viver com isso tudo.


Nem ele fez nada, nem eu era criminoso.Errei: perdoem-me.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Aquele lugar onde te amei em silêncio


Gostava de ter tido coragem para te dizer que te amava. Gostava de te ter abraçado mais umas vezes antes de me ir embora. Gostava de poder voltar atrás no tempo e desapaixonar-me.
No entanto, Dia, não posso, e a nostalgia consome-me.
Gostava que me perdoasses: aparentemente não tenho perdão.
Eu só queria poder regressar lá, e abraçar-te mais uma vez. Eu só queria que, depois de te ter abraçado, me conseguisse esquecer de ti. Mas tu foste cruel, e fizeste com que eu me lembrasse de ti durante durante mais 58 dias, 1392 horas, 83520 minutos, 5011200 segundos. Eu amei-te durante mais de 5 milhões de segundos. Pergunto-te: durante quantos segundos é que tu me amaste?
Apesar de tudo, a Filipa disse-me que não te deveria esquecer. Tu bem sabes que eu confio cegamente na Filipa, e que faço tudo o que ela me pedir. Mas tu, Dia, tu magoaste-me tanto... mas eu continuo a amar-te, a amar-te em silêncio.
A amar-te é como quem diz..., eu acho nunca amei ninguém, sabes? eu só sei que gosto de ti como nunca gostei de ninguém. Mas estou melhor assim: prefiro sofrer em silêncio e ver-te feliz com ele, do que saber que estás comigo, e que eu não te posso dar o que mereces.
Gostava de te poder desamar: mas tu és demasiado para mim.

Quero que fiques descansada: eventualmente esquecer-te-ei. Eventualmente deixarei de escrever o teu nome na areia molhada da praia; eventualmente deixarei de adormecer a pensar em ti; eventualmente deixarei de chorar sempre que olhar para esta fotografia. Um dia,
(espero)
perguntar-me-ão
-Então e o teu Dia, como vão as coisas entre tu e ela?
e eu respoderei
-Eu e quem?
-O teu dia, caramba, a...
-Ah!, já não vão, ela fugiu com outro
e a dor voltará, mas viste Dia, eu não me lembrava de ti, eventualmente ficarei melhor, e pode ser até que tu sejas mais feliz com esse neurocirugião do que comigo,
(aposto que ele nunca teve de pedir dinheiro emprestado para pagar as contas da casa porque a crónica simplesmente não queria ser escrita)
afinal, eu sou apenas um mísero cronista, e ele é um neurocirugião...mas ele não dormiu contigo quando tinhas frio, ele não te deu a mão quando tinhas medo, ele não te deu de comer quando tinhas fome, ele não nada, eu fiz tudo, não foi? Porquê? Porquê, então, porquê?
Gostava que tu o deixasses e viesses viver comigo: ou se calhar não; só quero que sejas feliz.

Se achas que vais ser mais feliz com ele do que comigo, então força, dou-te todo o meu apoio, casa-te com ele, mas eu bem sei que estás a cometer um erro,
ou se calhar não...
porque ele não te ama como eu,
quem te garante isso?
porque eu posso mudar; juro que não tenho mais depressões,
querias!
mas é que estou sempre a lembrar-me do anfiteatro da fotografia, onde te sentaste ao meu lado, onde me deste a mão, onde te rodeei com o meu braço, onde encostaste a tua cabeça no meu ombro, onde ficámos a ver as estrelas, onde me confessaste o teu segredo,
(será que já o confessaste a ele?)
onde me apercebi que te amava, onde fiquei sozinho contigo a ver as estrelas até os outros chegarem, onde as memórias me falham pois ficaram turvadas pelas lágrimas que me rolam pelos olhos enquanto escrevo, onde eu te amei, onde eu te amo, onde eu te amarei
(sempre em silêncio),
na esperança de que esqueças o neurocirugião e voltes para o teu cronista. Mas não te preocupes, estou bem.
Gostava que te preocupasses: tarde demais, já me matei.




Fotografia por: Tiago Sousa

Filipa

Começo a ficar farto de dedicar crónicas a pessoas. Sinto que é uma desvalorização dos leitores: afinal, se o leitor actual não for a Filipa, esta crónica não é destinada a si. Mas se estou assim tão farto, porque é que continuo a dedicá-las? A resposta é simples: porque a Filipa a mereceu.
Sabem, a Filipa é, de facto, deveras singular. Já lhe disse uma vez
-Acho que tens dupla personalidade,
porque parece, a sério que parece! Vocês, que não a conhecem, não fazem ideia, mas eu acho que se houvesse uma entrada no dicionário para "Dupla Personalidade", o verbete não passaria de uma fotografia da Filipa.
E o Tiago, que está sentado no meu sofá, a ver televisão
(bolas, como odeio o Telejornal!)
ele não me diz nada, mas eu bem sei que ele se irá levantar, e perguntar-me-á
-Então, mas a moça é a tua melhor amiga, e tu estás a dizer mal dela? Aínda por cima numa crónica, devias era dizer todas as qualidades dela!
e eu mudo, e eu calado, porque tu não a conheces Tiago, tu não a conheces como eu, porque se a conhecesses, saberías que a dupla personalidade é a melhor característica da Filipa.
Às vezes pergunto-me se ela existe: não porque gosto de filosofar, mas porque ela me parece apenas um conceito, um algo de muito abstracto, não pode ser real, simplesmente não pode, a perfeição não existe da mesma forma que a imperfeição não existe, e tu, Filipa, não podes ser real, não podes mesmo, porque se me dizes
-
não posso reproduzir o que me disseste porque o papel não fala, as letras não têm o teu tom de voz, e no entanto ele está-me marcado na cabeça, a repetir
-
e eu, sem resposta,
(nunca me tinham dito
-
juro que nunca mo tinham dito, e eu embasbacado)
abraço-te, porque me fizeste sentir bem sem que sentisse algo por ti, e sabes Filipa, eu que me apaixono com tanta facilidade, nunca me apaixonei por ti
(és a minha melhor amiga, esta é a mais pura das verdades, jamais te mentiria)
porque és só um conceito, um abstracto, um inexistente, e no entanto estás lá, nunca me deixaste e eu pergunto-me porque é que nunca senti nada por ti para além de amizade,
(eu que me apaixono com tanta felicidade, e tu que és tão bonita)
se calhar porque foste
és
serás
a minha melhor amiga, espero que não o deixes de ser, Filipa, porque nunca me apaixonei, a sério que nunca me apaixonei por ti, apesar de tua dupla personalidade,
-Maravilha!
apesar das confissões que já me fizeste,
-Uau!
apesar de me teres dito
(acho que agora já o consigo reproduzir, não vai ter o teu tom de voz mas o meu, espero que não te importes)
-No outro dia, fui meia hora mais cedo para a igreja e fui rezar por ti.
-Espantoso!
e eu,
(eu!)
não fazes ideia, Filipa, a sério que não fazes ideia porque
(peço desculpa ao leitor, mas esta frase agora é mesmo apenas para ela)
quando o disseste,
(nunca me apaixonei, a sério, nunca me apaixonei por ti)
senti-me tão bem,
(porque és a minha melhor amiga, prometo-te que foste, és, e farei os possíveis para que continues a ser a minha melhor amiga)
amado,
(não que eu gostasse de ti, porque não gosto
aliás, gosto, mas como amiga, a sério, só como amiga)
protegido,
(e sei que não gosto porque tu foste a primeira)
singular,
(rapariga que me fez sentir bem, e que nunca me fez sentir mal, ao contrário do meu Dia,
nostalgia
ao contrário do meu Pássaro de Fogo,
paixão platónica e incontrolável
ao contrário da Ma Passante,
que eu amo em silêncio, )
concreto e no entanto,
(todas elas, sem excepção, por um momento ou outro, me fizeram sentir mal, tu não, tu nunca, tu sempre me fizeste sentir bem, se calhar porque não passas de um conceito, de um abstracto de um)
irreal.


Um dia destes escrever-te-ei a crónica que me pediste
(hoje não, hoje és tu o tema)
e perguntar-te-ei
-Gostaste?
só para ouvir qual das tuas personalidades me irá responder.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Isto de se ser escritor


Parecendo que não, a minha escrita é das sensações mais masoquistas que tenho. Esta busca eterna da dor, a fim de arranjar uma folha de papel onde chorar, um ecrã de computador onde me encostar, uma máquina de escrever onde me consolar, está a consumir-me.
Deixarei de escrever? Não. Preciso de sofrer. Preciso de ter estas manias de poeta,
andar à chuva,
gostar do inverno,
ficar com frio,
guardar emoções.
É como disse, isto de ser escritor passa muito por sofrer, sabem? Mas preciso de assuntos para preencher folhas, por isso invento as minhas mágoas.
Ultimamente a minha maior dor (real) tem sido a nostalgia, o que significa que um dia irei fazer uma crónica sobre a nostalgia. Não sei bem quando, mas também isto de se ser escritor passa muito por isso: a inspiração (na qual eu nem sequer acredito) vem tão de repente que nem dás por ela chegar. Só pecebes que ela passou porque estás a chorar com um sorriso estampado na cara.
Já me perguntaram muitas vezes Como é que se escreve. A resposta é simples: sofre, deixa o sofrimento entrar em ti, usa uma máscara para deixar transparecer que és a pessoa mais feliz à face da Terra enquanto o teu interior te consome, olha para a chuva e chove com ela, envolve-te no teu sofrimento mais uma vez, adormece a chorar, acorda a sorrir, adormece a chorar, acorda a sorrir, adormece a chorar, acorda a sorrir, pensa no objecto de teu sofrimento uma última vez, vai à praia num dia de chuva e escreve o nome do teu objecto na areia enquanto vês as gotas de chuva a dissolverem as palavras, chove com elas mais uma vez, e depois de tudo isso, toma um bom banho de água quente, pega numa folha de papel ou num computador ou numa máquina de escrever, e fala sobre o teu sofrimento. Então saberás o que é escrever como escrevo.
Quando acabares de escrever, vais pensar como eu, vais viver como eu, vais sentir-te como eu, tudo isso para perceberes que não passas de um ser narcisista. Depois, vais pensar em ti, vais cair em desgraças e desgostos pelos teus pensamentos e após tudo isso,
e só se tiveres passado por todos os passos,
terás um momento de clareza,
e perceberás como estavas errado.
Contemplarás a tua obra,
e pensarás
"Sim, agora já não sou ninguém."

Eu, Tiago, confesso-me na dúvida

Eh, eh...
Acho imensa piada a quando deixo escapar numa conversa

-Eu sou catequista

e as pessoas ficam a olhar para mim. Ficam a olhar para mim, um olhar que eu distingo dos outros, mas que não percebo o que significa,
(sei de fonte segura que um deles era
-A sério?!)
por isso olho-os também. Mas continuo sem perceber o que significam.

Mas sim, é verdade, este ano sou catequista. E, para dizer a verdade até me estou a sentir um bocado culpado por estar a escrever esta crónica, pois devia estar a preparar o próximo encontro de catequese. Mas não estou, porque hoje apetece-me falar de Deus.

(...)

Lembro-me de perguntar uma vez a uma criancinha

-Então, quem é Deus para ti?

e ela pensa, pensa, pensa, e diz-me uma coisa que até aos dias de hoje considero acertada

-Hum...não sei. Mas se foi Ele quem criou o mundo, então deve ser muito velho.

Portanto, voltamos novamente ao esteriótipo de que Deus é um velhote de 50, 60 anos, que está ali no céu à espera que a gente morra para nos dar um abraço. Criado por uma criança.

-Então e o que é para ti o Paraíso?

Uma pergunta para a qual já esperava a resposta subjectiva que ela me deu

-É um sítio cheio de chocolates e de brinquedos.

Não posso discordar mais. Embora estivesse ciente de que a resposta seria subjectiva aquela...
criança irritou-me imenso. Brinquedos? Mas que raio?! Toda a gente sabe que o céu está cheio de livros! Ai, a ingnorância...

E a criança pergunta-me

-Tiago, o que é o Inferno?

"fogo que o puto quer-me tramar..."

-Epá, o Inferno é... diz-me uma coisa da qual tu não gostes nada.

-A minha tia a cantar.

-O Inferno é um sítio cheio de mulheres que cantam como a tua tia. Por isso cautela, Francisco,
cautela. Porta-te bem se não quiseres ir lá parar.

E o Francisco nunca mais me falou.

Ora, no meio disto tudo, fico eu indeciso: a mim
(que odeio ler)
ensiram-me que o Paraíso é um lugar cheio de livros, e que o Inferno,
aparentemente,
é um lugar cheio de senhoras a cantar.

Bem, não me julgue, por favor Senhor Padre, não me julgue, mas é só que começo a ficar indeciso entre o Paraíso e o Inferno.

-Então agora pergunto-te eu, meu filho: porque é que te preocupas tanto com o que irá acontecer quando morreres, se ainda estás vivo?

terça-feira, 20 de outubro de 2009

À Une Passante: A Chuva

Ontem passaste por mim,
(estávamos os dois a sair do Camões, eu acompanhado e tu sozinha, a andar pela rua com o teu andar que diz Eu sei o que quero, que afirma Eu sei o que quero, que berra Eu sei o que quero
(para mais tarde vir a saber que afinal não sabias)
aínda assim ternurento, próprio de ti )
mas não percebeste que eu estava lá.
Pois claro, eu não passo de uma sombra, de um fantasma que se arrasta pelas ruas do Saldanha, e tu, Senhora do Mundo com um andar possante
(definitivamente as parcas do destino não nos querem juntos)
que gritava Eu sei o que quero,
não, espera, era mais um berro que um grito, assim é que é,
e nós,
servos,
obedecíamos,
escravos,
às tuas ordens,
lacaios,
impotentes,
revolucionários,
à espera de uma falha no teu mandato de terror.
Nós é como quem diz eles, eles é que fazem essas coisas, eu cá não. Deixo-os a conspirar, não quero estar envolvido nisto. Gosto demasiado de ti. Acho-te demasiada piada. Apesar de não te conhecer. Apesar de só te ter visto uma vez, à saída do Camões
tu sozinha,
(não que precisasses de companhia)
e eu acompanhado
(porque eu era só uma sombra, um fantasma a arrastar-me pelas ruas do Saldanha).
Enquanto me arrastava, tu gritavas com o teu andar Eu sei o que quero, e começava a chover, chovia em cima de ti
(-Impossível, ela é inatingível!-gritava um revolucionário, nas suas reuniões secretas com o resto do povo oprimido)
ou então era eu que chovia, já não sei, a memória falha-me, agora vejo apenas uma mancha cinzenta
(malditas lágrimas!)
e já não sei, a sério que já não sei o que fazer. Falo contigo, não falo contigo, falo contigo, não falo contigo. Não falo contigo, é melhor assim. Quero amar-te em silêncio.
Sim, não te conheço. Mas pergunto-me se é mesmo necessário conhecer-te, é que eu gosto muito de ti, mas prefiro continuar assim,
à janela,
a chuva a escorrer,
uma lágrima,
duas,
três,
uma tespestade,
e já não há janela,
já não há marquise,
já não há casa,
já não há eu,
já não há quem te ame em silêncio.


Crónica dedicada À Ma Passante.

sábado, 17 de outubro de 2009

A Viagem


Nunca me irei esquecer da primeira vez que disseste

-Vamos viajar juntos. Vai ser divertido, prometo!

da mesma forma que nunca me esquecerei de todas as viagens que chegámos a fazer.

Da forma como estávamos abraçados, nunca pensei que fosses dizer

-Vamo viajar juntos. Vai ser divertido, prometo!

mas disseste mesmo, e aínda bem que o disseste.

-Não sei, Maria. Sabes bem que tenho medo de viajar...

-Anda lá, João!

Um

-Sim, está bem.

relutante e iminentemente eventual correu pela minha boca, um

-Sim, está bem.

que tinha feito melhor se tivesse ficado simplesmente quietinho e calado, um

-Sim, está bem.

imparável e concreto, demasiado concreto no meu ver actual, proibido pelo meu querer, obrigatório pela vontade dela.

Um Verão inteiro. Um Verão inteiro! Um Verão inteiro para preparar o raio de uma viagem a realizar-se nas férias de Natal! Um Verão inteiro! Dias e dias! Uma vida inteira de planos e projectos que consideravas "must do" e que não me pareciam mais do que planos a não cumprir, mais platónicos que tu e eu.

-Vamos viajar juntos. Vai ser divertido, prometo!

-Sim, está bem.

Mas era um

-Sim, está bem.

que mais facilmente seria um

-Não. Não quero, não consigo, não posso.

mas que era um

-Sim, está bem.

Por isso depois de um Verão inteiro

(um verão inteiro!)

lá combinámos encontrarmo-nos em Sete Rios

-Sete Rios às oito e meia, João, por favor não chegues atrasado.

-Sim, está bem.

para apanharmos o comboio que nos ía levar até ao Porto.

Oito e um quarto, e eu chego, a arrastar uma mala pesada como o raio.

Oito e vinte e cinco, e ela não chegou.

Oito e meia, e chega o comboio.

Oito e trinta e cinco, e o comboio aínda está na estação.

Oito e trinta e sete e recebo uma mensagem no telemóvel

"João, afinal não quero viajar. Mudei de ideias à última da hora. Pode ser que noutra altura possamos viajar juntos.
Um beijo,
Maria"

Oito e trinta e oito, e passa uma rapariga ao meu lado. Abordo-a sem rodeios

-Vamo viajar juntos. Vai ser divertido, prometo!...

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Breaking Up

Então e agora...onde fico eu?

Sim, não penses que quero monopolizar a tua atenção, mas só gostava de saber onde é que eu vou ficar.

Vamo-nos ver outra vez? Pois, é óbvio que sim. Estamos na mesma vida, temos os mesmos amigos, vemo-nos quase todos os dias.

Será que vou ter de passar a fingir que não existes? Eu não queria mesmo que isso acontecesse, porque apesar de tudo aínda te considero uma boa amiga.

Se tens razão no que disseste ontem? Pois, se calhar (está bem, está bem, na verdade) até tens, mas aínda assim estou chateado contigo. Tinha uma crónica tão bonita, toda ela pensadinha, e vens-me tu com essas coisas e agora estou a escrever esta porcaria.

Achas isso bem?

O que queres dizer com isso?

Sim, olha, whatever, mas aínda não te perdoei por ter uma crónica tão bonita toda pensadinha, e por tua culpa estar agora a escrever esta porcaria.

domingo, 11 de outubro de 2009

Não consigo pensar, Não consigo escrever.

Desculpa. Queria escrever-te algo, mas não consigo.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Talvez para uma vida

Acordei, e não estavas ao meu lado. E não é a primeira vez que isso acontece. Para dizer a verdade, não me lembro da última vez que acordei contigo ao meu lado. Se calhar porque nunca acordei. Talvez, só talvez, seja essa a verdade.

Felizmente, consigo perdoar-te do teu pecado inexistente, do teu erro impossível, e talvez, só talvez, seja capaz de te voltar a amar.

Da mesma forma os outros me olham, mas talvez, (só talvez), também eles me consigam perdoar. Pode ser que volte tudo ao normal. Pode ser que sim. Esperemos que sim.

Talvez um dia possa ser que era antes. Talvez possa voltar a sonhar. Talvez sejas tu, outra vez, aquela luz interminável. Talvez, só talvez.

Talvez um dia, ao acordar, te veja finalmente ao meu lado.

Talvez, só talvez.

Carta de Despedida

Não te preocupes. O fim é sempre assim, mas não deixa de ser o fim.
Não sei se um obrigado alguma vez chegará, mas tenho de agadecer ao meu Pássaro de Fogo, ao meu Dia e a todos aqueles que me fazem sorrir.
Obrigado.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Crónica escrita para o meu amigo Miguel


-Vou ter saudades tuas, Miguel, - disse-lhe eu - vou ter saudades tuas.

Sim, Miguel, deixaste para trás todos estes 20 anos de amizade, não sei bem como.
Lembro-me de ambos de termos apenas seis ou sete anos, e de não percebermos o perigo de brincarmos com facas de cozinha.

- Larguem isso imediatamente! - gritava a tua mãe - Não sabem que se podem magoar a sério com isso?!

E nós questinávamo-nos, como haveríamos de brincar aos bandidos, sem as facas da cozinha. Depressa inventávamos outra brincadeira, e esquecíamos o assunto.

Depois, quando fomos para o sétimo ano, fomos ambos para a Escola Secundária Eça de Queirós, e ficámos na mesma turma. Ficávamos na mesma sala (escolhíamos sempre as mesma disciplinas, através de um ou outro telefonema cúmplice), com os mesmos castigos, com as mesmas faltas de trabalho de casa.
E os professores desconfiavam, Miguel, que nos ajudássemos um ao outro (e desconfiavam com razão), durante testes e trabalhos de casa (Matemática nunca foi o meu forte, Português nunca foi o teu), e nós, Miguel, dizíamos que não, que nos esforçávamos e que fazíamos tudo sozinhos.

Entretanto, acabámos o nono ano, e eu que queria seguir Literatura Portuguesa, fui para o Lyceu Camões, enquanto tu ficaste na Eça de Queirós, com o resto da turma que queria seguir Informática.

E tudo o que te disse para me despedir foi um simples

-Vou ter saudades tuas, Miguel, vou ter saudades tuas.

E tu, nada.

-Vou ter saudades tuas, Miguel, vou ter saudades tuas.

(Pode ser que ele não me tenha percebido à primeira.)

E tu, nada.

-Vou ter saudades tuas, Miguel, vou ter saudades tuas.

E as lágrimas já começavam a correr.

Mas tu, nada.

Acho que não me tinhas conseguido perdoar, por te estar a abandonar, a trocar-te por uma mísera disciplina, mas Miguel, é o meu sonho! Tenta compreender, por favor!

Um abraço, e estava tudo bem outra vez.

Estava tudo bem, é outra maneira de dizer que aínda nos falávamos, porque sinto falta, Miguel, de comentarmos sobre as raparigas bonitas da nossa turma

-Olha a Teresa, olha a Teresa!,

de gozarmos com os nossos professores

-Sim, sim, claro que sim, professora...,

de me sentar ao teu lado durante as aulas e de planearmos o nosso futuro,

-Amanhã a gente vamos para minha casa e vamos atirar ovos pela janela aos carros que passarem na rua, está bem?

-Vamos a isso.

Sim, sinto falta disso tudo. Mas aínda assim,vamo-nos falando, não é Miguel?

E lembras-te de quando acabámos ambos o décimo segundo ano? Nessas férias que estivemos juntos em Espanha? Lembras-te das raparigas, dos lugares e das coisas que conhecemos? É que eu não me esqueci.

E depois, ontem, ligaste-me, para tomar um café em tua casa (que pertenceu à tua mãe, até ela morrer).

E se calhar é por te teres recordado destes bons tempos que passámos juntos, se calhar foi por te teres apercebido que não se repetiriam, que quando eu cheguei, estavas deitado. A dormir.

Mas não acordaste quando eu te chamei pela primeira vez, nem pela segunda, nem pela terceira. E foi aí que percebi que não ías acordar.

E tudo o que disse foi um simples

-Vou ter saudades tuas, Miguel, vou ter saudades tuas.

E tu, nada.

-Vou ter saudades tuas, Miguel, vou ter saudades tuas.

(Pode ser que ele não me tenha percebido à primeira.)

E tu, nada.

-Vou ter saudades tuas, Miguel, vou ter saudades tuas.

E as lágrimas começaram a correr.

Mas tu, nada.

sábado, 3 de outubro de 2009

O Teu Sorriso Cinzento

O cinzento voltou. É verdade: encontrei-me com ele num restaurante.

Sabes, acho que estou a começar a gostar do cinzento, da forma como ele me sorri. Da sua cor, que aparentemente está morta, mas que ressuscita subitamente, para me dizer um "Olá".
Porque era cinzenta a nossa conversa, quando ainda nos falávamos. Porque o teu sorriso se fundia com o cinzento da tua roupa, fazendo a coisa mais bela do mundo. Inexplicável.

Talvez tenha sido por isso que te disse que já não te queria ver, talvez porque me assustaste, ou não sei. Talvez tenha sido por isso, que pegaste na faca que se encontrava em cima da mesa, e me cortaste a garganta. E quando o fizeste só consegui dizer

-Não, não faças isso! Não sujes a tua roupa!, não manches o teu sorriso...

Tarde demais. Ja estava suja. Já estava manchado.

E eu a olhar para mim (os meus olhos, que os considero belos, estavam vidrados), de faca na mão, coberto de sangue, nas mãos, na cara, e na minha camisola cinzenta, a perguntar-me sobre o sentido do que tinha acabado de sonhar.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Salta, Passarinho, salta!

Salta, Passarinho, salta!

Não tenhas medo de voar. Don't worry: "I'll catch you on the hardest falls".

As palavras são só palavras, molda-as a teu bel-prazer. Ama-as. Sonha-as. Vive-as!

O teu querer é diferente do meu, mas por favor, passarinho, salta. Vem voar comigo! Tu consegues!

Não lhes ligues, passarinho, eles não sabem o que dizem. Eu também não liguei. Eu vivi. Vem viver comigo! Vem voar comigo!

Não?

A sério?

Oh...



"O amor é uma bela flor, mas tem de ser colhida à beira do precipício."
Sthendal