A vida traduz-se em letras

domingo, 11 de outubro de 2009

Não consigo pensar, Não consigo escrever.

Desculpa. Queria escrever-te algo, mas não consigo.

2 comentários:

  1. E mesmo assim o poema nasceu!
    Que pode mais, o poema ou o pensamento?

    Há metafísica bastante em não pensar em nada.

    O que penso eu do mundo?
    Sei lá o que penso do mundo!
    Se eu adoecesse pensaria nisso.

    Que idéia tenho eu das cousas?
    Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
    Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
    E sobre a criação do Mundo?

    Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
    E não pensar. É correr as cortinas
    Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

    O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
    O único mistério é haver quem pense no mistério.
    Quem está ao sol e fecha os olhos,
    Começa a não saber o que é o sol
    E a pensar muitas cousas cheias de calor.
    Mas abre os olhos e vê o sol,
    E já não pode pensar em nada,
    Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
    De todos os filósofos e de todos os poetas.
    A luz do sol não sabe o que faz
    E por isso não erra e é comum e boa.

    Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
    A de serem verdes e copadas e de terem ramos
    E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
    A nós, que não sabemos dar por elas.
    Mas que melhor metafísica que a delas,
    Que é a de não saber para que vivem
    Nem saber que o não sabem?

    "Constituição íntima das cousas"...
    "Sentido íntimo do Universo"...
    Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
    É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
    É como pensar em razões e fins
    Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados
    das árvores
    Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

    Pensar no sentido íntimo das cousas
    É acrescentado, como pensar na saúde
    Ou levar um copo à água das fontes.

    O único sentido íntimo das cousas
    É elas não terem sentido íntimo nenhum.
    Não acredito em Deus porque nunca o vi.
    Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
    Sem dúvida que viria falar comigo
    E entraria pela minha porta dentro
    Dizendo-me, Aqui estou!

    (Isto é talvez ridículo aos ouvidos
    De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
    Não compreende quem fala delas
    Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

    Mas se Deus é as flores e as árvores
    E os montes e sol e o luar,
    Então acredito nele,
    Então acredito nele a toda a hora,
    E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
    E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

    Mas se Deus é as árvores e as flores
    E os montes e o luar e o sol,
    Para que lhe chamo eu Deus?
    Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
    Porque, se ele se fez, para eu o ver,
    Sol e luar e flores e árvores e montes,
    Se ele me aparece como sendo árvores e montes
    E luar e sol e flores,
    É que ele quer que eu o conheça
    Como árvores e montes e flores e luar e sol.

    E por isso eu obedeço-lhe,
    (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
    Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
    Como quem abre os olhos e vê,
    E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
    E amo-o sem pensar nele,
    E penso-o vendo e ouvindo,
    E ando com ele a toda a hora.

    Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema V"
    Heterónimo de Fernando Pessoa

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  2. Com tanta pressa que tive em dizer que até a ausência de pensamentos pode ser criativa; ou de pensar que até o mais fértil dos terrenos deve ter momentos de pousio; acabei por não te dizer que adoro a fotografia deste apontamento! Está mesmo muito gira! Se calhar, no dia em que a tiraste, conseguiste acordar primeiro que eu!
    Fez-me lembrar em certos ambientes renascentistas.

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