A vida traduz-se em letras

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Odeio O Camões

António Lobo Antunes diz "Soube que era um génio quando comecei a encontrar o romance nas montras das livrarias; quando o retrato principiou a aparecer nos jornais; quando dei a primeira entrevista à televisão."
Ora, eu tenho quinze anos. Ainda não encontro o romance nas livrarias, não compreendo bem porquê, chego-me lá e pergunto se tem algum escrito de João de Matos e a resposta é sempre negativa (discriminação, certamente, pela minha idade), cuidando que nas livrarias não me acho.
Eu soube que era um génio quando, no sétimo ano, ganhei um concurso de escrita em inglês. Acho que nem concorri pelo prémio (o que é certo é que a Escola Secundária Eça de Queirós ganhou um laboratório de línguas, segundo sei), foi mesmo pelo reconhecimento. Quando me entregaram a carta a dizer que tinha ganho, julguei-me uma estrela como aquelas que se colam na tela do cinema, como aquelas que se penteiam durante duas horas e maquilhagem no género feminino.
Comecei a sair á rua apenas na segurança de dois amigos (todas as estrelas têm guarda-costas), depois de passar duas horas em frente ao espelho a arranjar o cabelo, e, antes de passar por cada esquina, tomava especial atenção aos paparazzi. Eles nunca estavam lá, digo, eu nunca os vi (aqueles malandros sabem esconder-se bem), mas sei que sou um génio.
António Lobo Antunes deve ter imensos fãs a pedirem-lhe autógrafos (eu sou um deles). Eu, bem, não é que não tenha fãs, tenho fãs, tenho fãs que lêem as minhas crónicas e que me dizem Ai meu Deus que tristeza descomunal, tenho fãs que lêem a minha poesia e me dizem Ai meu Deus que grotesco, tenho fãs que lêem os meus contos e me dizem Ai meu Deus isso não é um conto é uma crónica, mas tenho fãs. Para dizer a verdade, desconfio que hei-de voltar a contratar o Tomás e o Pedro como guarda-costas. É que no Camões tenho imensos fãs.
Ainda no outro dia, quando estava na companhia da Bia e do Jordann, uma rapariga do décimo segundo ano chegou-se ao pé de mim
-Tu não és aquele que
e eu sim, sou aquele que escreve tanto e que merece reconhecimento literário, a retirar já a caneta do bolso para preparar o autógrafo
-...falou muito mal da Lista C em tempo de campanha?
Política. Outra vez. E no entanto, nunca a Literatura.
A culpa deve ser dos funcionários (só pode), porque neste momento odeio o Camões.

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