Adeus mundo.
Algo controla a minha mão e fá-la deslizar sobre o teclado do meu computador. E o que escrevi à mão, encontra-se agora em cinzas. Queimei tudo naquela tarde de Pessoa, naquela tarde de Solidão. E foi tão lindo ver as palavras subir em direcção ao céu, o fumo rodopiava e dançava à minha frente.
Tentei agarrá-lo, em vão. Já não havia volta a dar, tudo era fumo.
Desde há algum tempo para cá que deixei de dialogar. Agora sou só eu, e o raio de um monólogo que me acompanha constantemente. Já não sou eu, sabes?
Lembro-me bem dos meus últimos diálogos com T. É uma boa pessoa, mas a conversa de pouco me valeu.
Agora, os meus diálogos limitam-se a um "pois", ou a um "hã, hã" ocasional. De vez em quando, uso uma linguagem que desconheço, e digo "ya". Mas não passo disto.
Convidaram-me para tomar café. Aceitei.
Hoje em dia, já não falo. Prefiro escutar as palavras sem sentido que me contam.
Cheguei mais cedo, sentei-me na esplanada,e pedi um café. Esperei por ela. Olhei para o mar, e o sol estava a deitar-se ("a Mariana haveria de gostar de ver isto. Talvez se lembre do Pássaro de Fogo"). Ela chegou.
-Olá.
-Olá.
Cumprimentei-a com um beijo sonoro na face. Ela sentou-se e começou a falar.
E, como de costume, eu não estava lá.
"Será que a Mariana já acabou de ler o Pássaro de Fogo? Gosto daquele livro. Retrata-me aínda que"
-Pois - tinha de dar sinais de vida, ou ela preocupar-se-ía.
"em segunda análise, goste de quase tudo o que leio.
Mentira. Também sou preconceituoso."
-Hã, hã
"E a Francisca? Será que ela já está melhor? Espero bem que sim. Ela estava a sentir-se mesmo mal, na Sexta-feira. Será que ela vai ao cinema, amanhã? "
-Ya
"O teatro! Porra, esqueci-me completamente do teatro! E agora? Tenho de acabar o raio da peça!"
O empregado aproximou-se da mesa, não com um, mas com dois cafés. Estranhei. Ele sorriu.
-Estás bem? - a pergunta revelava uma preocupação que eu duvidava seriamente que existisse.
-Sim, - menti - eu estou sempre bem.
E virei a cara na direcção do mar.
-O mar é mesmo bonito, não é? -suspirou ela.
Lembrei-me novamente da Mariana, e do livro que ela me emprestou.
-Não. O mar não é bonito. Mas toda a gente cresce com ideia formada de que o é. Não passa de uma ilusão.
Olhei-a. E ela olhou-me.
- João, hoje estás um bocado esquisito. Tens a certeza de que estás bem?
Não respondi. Pelo menos não imediatamente. Voltei novamente a cara para o mar. Até tinha a sua beleza. No entanto, era demasiado ritmado, demasiado igual. E Deus sabe como eu odeio isso.
-Ya. Eu estou bem. Só preciso de partilhar alguns pensamentos.
-Sabes que me podes contar tudo.
E a sua ingenuidade reflectiu-se no seu rosto. Como poderia ela achar tal coisa? Que convencida!
-Sei, mas isto é daquelas coisas que não se partilham.
Olhei uma terceira vez para o mar. Agora parecia que ele me chamava: "Anda, splash, anda!". E fui.Deixei uma moeda de um euro em cima da mesa,e levantei-me. Comecei a andar, como se fosse guiado por algo que não existia.
-Onde vais?
Continuei a andar. Dirigi-me então, na direcção do miradouro. Debrucei-me. Lá em baixo, o mar estava coberto de rochas. Devia ser uma queda de vinte e cinco, trinta metros.
-João? O que estás a fazer?
Olhei para trás. Ela tinha-me seguido.
-Adeus, quotidiano.
E saltei.
Algo controla a minha mão e fá-la deslizar sobre o teclado do meu computador. E o que escrevi à mão, encontra-se agora em cinzas. Queimei tudo naquela tarde de Pessoa, naquela tarde de Solidão. E foi tão lindo ver as palavras subir em direcção ao céu, o fumo rodopiava e dançava à minha frente.
Tentei agarrá-lo, em vão. Já não havia volta a dar, tudo era fumo.
Desde há algum tempo para cá que deixei de dialogar. Agora sou só eu, e o raio de um monólogo que me acompanha constantemente. Já não sou eu, sabes?
Lembro-me bem dos meus últimos diálogos com T. É uma boa pessoa, mas a conversa de pouco me valeu.
Agora, os meus diálogos limitam-se a um "pois", ou a um "hã, hã" ocasional. De vez em quando, uso uma linguagem que desconheço, e digo "ya". Mas não passo disto.
Convidaram-me para tomar café. Aceitei.
Hoje em dia, já não falo. Prefiro escutar as palavras sem sentido que me contam.
Cheguei mais cedo, sentei-me na esplanada,e pedi um café. Esperei por ela. Olhei para o mar, e o sol estava a deitar-se ("a Mariana haveria de gostar de ver isto. Talvez se lembre do Pássaro de Fogo"). Ela chegou.
-Olá.
-Olá.
Cumprimentei-a com um beijo sonoro na face. Ela sentou-se e começou a falar.
E, como de costume, eu não estava lá.
"Será que a Mariana já acabou de ler o Pássaro de Fogo? Gosto daquele livro. Retrata-me aínda que"
-Pois - tinha de dar sinais de vida, ou ela preocupar-se-ía.
"em segunda análise, goste de quase tudo o que leio.
Mentira. Também sou preconceituoso."
-Hã, hã
"E a Francisca? Será que ela já está melhor? Espero bem que sim. Ela estava a sentir-se mesmo mal, na Sexta-feira. Será que ela vai ao cinema, amanhã? "
-Ya
"O teatro! Porra, esqueci-me completamente do teatro! E agora? Tenho de acabar o raio da peça!"
O empregado aproximou-se da mesa, não com um, mas com dois cafés. Estranhei. Ele sorriu.
-Estás bem? - a pergunta revelava uma preocupação que eu duvidava seriamente que existisse.
-Sim, - menti - eu estou sempre bem.
E virei a cara na direcção do mar.
-O mar é mesmo bonito, não é? -suspirou ela.
Lembrei-me novamente da Mariana, e do livro que ela me emprestou.
-Não. O mar não é bonito. Mas toda a gente cresce com ideia formada de que o é. Não passa de uma ilusão.
Olhei-a. E ela olhou-me.
- João, hoje estás um bocado esquisito. Tens a certeza de que estás bem?
Não respondi. Pelo menos não imediatamente. Voltei novamente a cara para o mar. Até tinha a sua beleza. No entanto, era demasiado ritmado, demasiado igual. E Deus sabe como eu odeio isso.
-Ya. Eu estou bem. Só preciso de partilhar alguns pensamentos.
-Sabes que me podes contar tudo.
E a sua ingenuidade reflectiu-se no seu rosto. Como poderia ela achar tal coisa? Que convencida!
-Sei, mas isto é daquelas coisas que não se partilham.
Olhei uma terceira vez para o mar. Agora parecia que ele me chamava: "Anda, splash, anda!". E fui.Deixei uma moeda de um euro em cima da mesa,e levantei-me. Comecei a andar, como se fosse guiado por algo que não existia.
-Onde vais?
Continuei a andar. Dirigi-me então, na direcção do miradouro. Debrucei-me. Lá em baixo, o mar estava coberto de rochas. Devia ser uma queda de vinte e cinco, trinta metros.
-João? O que estás a fazer?
Olhei para trás. Ela tinha-me seguido.
-Adeus, quotidiano.
E saltei.
Ena, está mesmo bom, João.
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