A vida traduz-se em letras

sábado, 12 de junho de 2010

Retrato da Vida

Há uma planta
Atrás da porta de minha casa.
Ontem, ao entrar em casa,

A planta assustou-me.

Eternidade

Um dia achei
que a eternidade fosse
(lá está)
eterna

rapidamente descobri que era mesmo

Voltarei

Hoje decidi que vou voltar.

A Morte De Um Poeta

Tenho um amigo.
Ele é poeta.
Faz sonhos com palavras.
Ele é mais alto que eu.
E também tem cabelo mais comprido.

Um dia ele disse-nos:
«Morri».

Mas na altura ele não percebeu
Que nunca tinha vivido tanto.

E escreveu.
A chuva misturou-se com as palavras
E as tílias deram forma ao poema.

Ele destacou-se.
Todos o admiravam.
Poucos gostavam dele.
Era amado por uma
E respondia reciprocamente.

Ele destacou-se:
No entanto
Ninguém percebeu que o poeta,
No final do dia,
Não era mais que uma tília
Ou um plátano
A correr na alameda do Camões.

Tenho um amigo, sim,
Ele é poeta.
E ele não vai morrer nunca.

Tenho um amigo.
E ele é poeta.
E é quando escrevo.
Ele fala-me ao ouvido.

E o cadáver deixou-se levar
No centro das tílias da alameda do Camões
Contemplando os plátanos
Numa indiferença de morto
(Que ele não atingiu nunca)
E o olhar esbugalhado
Que contemplava o céu
Procurava um corvo
Que lhe dissesse Nunca mais.
Não chovia.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Ode Ao Sorriso

Será isto um sorriso?
Esgar inconstante de contracções involuntárias
E voluntárias,
Erguido pela força de uma obrigação que a
Etiqueta manda.
E não há mais
Espaço: só vazios claros como a escuridão
De uma boca que não se quer abrir.

E se me dizem que o cérebero manda,
Acredito na prioridade do coração
E do
Espírito
E da
Alma.

Queixo-me de quem não ri,
Queixo-me de quem ri,
Queixo-me do meu próprio riso.
Queixo-me de tudo o que é riso e não é,
Porque já não sei distinguir o que é ou não humano.

Que há, afinal, no riso,
Senão o riso, ele próprio,
Reflexo incondicional da alma...?

E se não houver riso,
Onde repousa a alma?
No mesmo lugar onde se encontra a poesia,
Onde a corça bebe água,
Onde a ninfa sai do rio,
Onde Vergílio Ferreira se consagra artista.

Que se passa com o riso?,
Escondido nas bocas de quem enfernta o metropolitano,
Seres demasiados robóticos
Para se encontrarem na naturalidade de um sorriso,
Que implora para que o deixem sair
E não vem nunca.
Nunca.

E entro numa carruagem,
Numa tentativa de sorrir por todos.
Olham-me como se fosse maluco...

Mas o sorriso sorri ao progresso
Num esforço irónico imesurável.
O progresso não sorri ao sorriso
Porque de tal não é capaz.

E há, ainda, sorrisos não-sorrisos,
Dos quais o riso se ri.

E vamos progredindo:
Parabéns.
Esquecemos o sorriso.
Dá demasiado trabalho.
É um esforço inutil.
Não sorriam.
Conformem-se com o quotidiano,
E esqueçam o que vos quebra a monotonia,
Esqueçam o que vos enche a alma,
Esqueçam a vossa própria alma,
Ó racionalizações de seres racionais,
Que o cérebero de tudo vale,
E o sorriso vende-se a cinco cêntimos o quilo.

Vou prostituir o meu sorriso,
Até que mo fodam incansavelmente,
Numa tentativa de inovação poética.

Vou protituir o meu sorriso,
E foder o vosso quotidiano
De Metropolitano não sorridente.

Vou prostituir o meu sorriso;
Atingir o término num orgasmo recíproco,
Que não será molhado mas sorridente.

Ó perfeita criatura!
A tua carne de nada vale,
E o teu cérebero é pó.
A incapacidade de um sorriso
É o sinal derradeiro:

Já ninguém é humano
Senão as crianças
E os adolescentes que se refugiam no Camões,
E sorriem debaixo das árvores.
Resultado: cortam-nos as árvores.

Esquecem-se, no entanto,
Do lugar onde as Tílias criam raízes:
É o lugar onde a corça bebe água,
Onde a ninfa sai do rio,
Onde Vergílio Ferreira se apropria de um cadeirão
E escreve a sua arte;

É nesse lugar,
Nesse único lugar,
Que nasce o sorriso.