A vida traduz-se em letras

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Ode Ao Sorriso

Será isto um sorriso?
Esgar inconstante de contracções involuntárias
E voluntárias,
Erguido pela força de uma obrigação que a
Etiqueta manda.
E não há mais
Espaço: só vazios claros como a escuridão
De uma boca que não se quer abrir.

E se me dizem que o cérebero manda,
Acredito na prioridade do coração
E do
Espírito
E da
Alma.

Queixo-me de quem não ri,
Queixo-me de quem ri,
Queixo-me do meu próprio riso.
Queixo-me de tudo o que é riso e não é,
Porque já não sei distinguir o que é ou não humano.

Que há, afinal, no riso,
Senão o riso, ele próprio,
Reflexo incondicional da alma...?

E se não houver riso,
Onde repousa a alma?
No mesmo lugar onde se encontra a poesia,
Onde a corça bebe água,
Onde a ninfa sai do rio,
Onde Vergílio Ferreira se consagra artista.

Que se passa com o riso?,
Escondido nas bocas de quem enfernta o metropolitano,
Seres demasiados robóticos
Para se encontrarem na naturalidade de um sorriso,
Que implora para que o deixem sair
E não vem nunca.
Nunca.

E entro numa carruagem,
Numa tentativa de sorrir por todos.
Olham-me como se fosse maluco...

Mas o sorriso sorri ao progresso
Num esforço irónico imesurável.
O progresso não sorri ao sorriso
Porque de tal não é capaz.

E há, ainda, sorrisos não-sorrisos,
Dos quais o riso se ri.

E vamos progredindo:
Parabéns.
Esquecemos o sorriso.
Dá demasiado trabalho.
É um esforço inutil.
Não sorriam.
Conformem-se com o quotidiano,
E esqueçam o que vos quebra a monotonia,
Esqueçam o que vos enche a alma,
Esqueçam a vossa própria alma,
Ó racionalizações de seres racionais,
Que o cérebero de tudo vale,
E o sorriso vende-se a cinco cêntimos o quilo.

Vou prostituir o meu sorriso,
Até que mo fodam incansavelmente,
Numa tentativa de inovação poética.

Vou protituir o meu sorriso,
E foder o vosso quotidiano
De Metropolitano não sorridente.

Vou prostituir o meu sorriso;
Atingir o término num orgasmo recíproco,
Que não será molhado mas sorridente.

Ó perfeita criatura!
A tua carne de nada vale,
E o teu cérebero é pó.
A incapacidade de um sorriso
É o sinal derradeiro:

Já ninguém é humano
Senão as crianças
E os adolescentes que se refugiam no Camões,
E sorriem debaixo das árvores.
Resultado: cortam-nos as árvores.

Esquecem-se, no entanto,
Do lugar onde as Tílias criam raízes:
É o lugar onde a corça bebe água,
Onde a ninfa sai do rio,
Onde Vergílio Ferreira se apropria de um cadeirão
E escreve a sua arte;

É nesse lugar,
Nesse único lugar,
Que nasce o sorriso.

1 comentário:

  1. Uf!... Ainda bem que acabas a tua ode da maneira como o fazes!... Assim, sorrio. Abres o poema, explodes numa corrida desenfreada e estilhaças completamente a forma e o canto habituais das odes. Mas, pronto, salvas o sorriso!... Quando?... Quando pões a pessoa encontrada consigo própria. Nessa altura saboreia.

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